Sempre que um acidente fatal envolve um juiz, um político importante ou qualquer outra personalidade pública relacionada a processos e investigações contra poderosos ou contra grupos poderosos, suspeitas começam a ser levantadas pela mídia ou pela opinião pública sobre a possibilidade de uma sabotagem ou de um acidente provocado pelos “incomodados” com a ação do magistrado ou do político corajoso e intrépido. ?? natural que isto ocorra, pois não nos é dado, a nós, homens “comuns”, o acesso a todas as informações sobre o ocorrido para que possamos formular sentenças acusatórias contras este ou aquele investigado que supostamente teria interesse em se livrar da pobre vítima do desastre, no caso, aéreo.
Na Itália dos anos 60, o dinâmico empresário Enrico Mattei foi vítima de um acidente semelhante ao de Teori Zavascki e até hoje pairam dúvidas sobre a fatalidade ou não do desastre. Por ter almejado a independência energética da Itália, teria ele sido vítima das megaempresas que dominam o setor energético mundial? O próprio Pasolini, assassinado muitos anos depois, teria sido “eliminado” pelos mesmos grupos por ter investigado “demais”, além da conta, certas informações que lhe serviriam para a composição de “Petróleo”, a sua obra póstuma? O fato é que entramos calmamente no reino da ficção quando nos dispomos a conjecturar sem poder confirmar nossas suspeitas, vítimas que somos de uma estrutura sócio-política que nos dá a ilusão de pleno acesso a tudo que é da esfera pública e, portanto, nosso pleno direito como cidadãos pagadores de impostos e cumpridores das leis.
No passado, especulou-se sobre o possível “envenenamento” de João Goulart no exílio ou sobre o acidente de automóvel “provocado” em que se envolveu Juscelino Kubitscheck. Depois foi a vez do “sumiço” de Ulisses Guimarães e, mais recentemente, especulou-se sobre a morte do então candidato a presidente Eduardo Campos. Não se chegou, em nenhum dos casos, a uma conclusão que permitisse identificar possíveis “autores” dos supostos crimes de sabotagem contra tais personalidades notórias. Por outro lado, é bem verdade que nem sempre a liquidação desses casos como meros acidentes satisfez a opinião pública.
Casos não resolvidos ou mal resolvidos de acidentes (ou de autoria de assassinatos) relacionados a figuras públicas podem ser contados aos milhares ao longo da história da humanidade. Ficcionalizar passa a servir como consolo e a figura em questão, sobretudo depois de sua morte trágica, é subitamente elevada a mártir, tendo morrido para nos defender, não importando nem mesmo concluir se foi um acidente ou um crime encomendado. Teori Zavascki já pode ser incluído nessa longa lista de mártires. Quem quer que o substitua, independentemente de sua maior ou menor competência e honestidade, já vai começar o seu trabalho eivado de suspeitas, tanto por parte da opinião pública e do cidadão comum, como por parte de outros magistrados ou políticos aos quais interessa a apuração dos fatos criminosos até agora investigados pela operação Lava-Jato. Se não quiser se tornar também um mártir, terá de proceder com moderação e com cautela e isto, infelizmente, já pode ser considerado um retrocesso e uma vitória de certos setores retrógrados.
Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.