O advogado Luis Antonio Albiero, do PT, escreveu uma longa carta para o ex-presidente do PT, José Genoíno, preso desde o dia 15 de novembro, por conta do escândalo do Mensalão. Abaixo a carta e a mensagem de Albiero.
Amigos, sei que talvez seja pretensão demais da minha parte, mas gostaria que, quem porventura tiver acesso, fizesse chegar este texto a familiares do companheiro José Genoino – particularmente à Miruna, que é quem tem tomado a frente no caso da prisão do pai.********
Aos familiares do eterno presidente, companheiro José Genoino.
Não sei se este texto chegará ao seu destino. Ainda assim, ouso escrever-lhes para tranquilizá-los acerca da ameaça de perderem o único bem imóvel pertencente ao nosso querido ex-presidente, por quem tenho profunda admiração e a quem a Nação brasileiro tanto deve.
Não sei se ele é casado ou se vive em união estável, tampouco sei há quanto tempo ele e a esposa (ou convivente, não faz diferença) estão juntos ou qual o regime de bens de eventual casamento, mas aposto que pelo menos metade da propriedade é dela. Sendo assim, desde logo afirmo que essa metade está livre de ser apropriada pela União, em caso de execução fiscal da multa a que ele foi condenado, já que a coproprietária não tem responsabilidade alguma sobre os atos atribuídos ao marido. Ainda que porventura o imóvel, em sua totalidade, fosse a leilão, metade do valor avaliado haveria de ser reservada em favor da cônjuge (ou convivente).
Mas vou além. A lei 8009, de 29 de março de 1990, garante a IMPENHORABILIDADE do imóvel, por se tratar de “bem de família”. Transcrevo abaixo, porque é de simples compreensão, o art. 1º da mencionada lei:
???Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, ?? IMPENHORÁVEL E N??O RESPONDERÁ POR QUALQUER TIPO DE DÍVIDA civil, comercial, fiscal, previdenciária OU DE OUTRA NATUREZA, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.???
Sim, é verdade que a lei prevê exceções à impenhorabilidade do “bem de família”, e uma das exceções justamente diz respeito a condenações de natureza penal. Ainda assim, não é o caso de José Genoino, haja vista que a ressalva à impenhorabilidade, nesse âmbito criminal, diz respeito apenas a bens adquiridos COM O PRODUTO DO CRIME pelo qual o proprietário tenha sido condenado (o que, evidentemente, não é o caso do imóvel que o casal possui há várias décadas, conforme amplamente noticiado) ou quando se tratar de sentença que o tenha condenado a ???ressarcimento, indenização ou perdimento de bens???.
Não é preciso deter conhecimentos jurídicos para compreender o que diz o art. 3º e seu inciso VI, ambos da lei 8009, razão pela qual também me permito transcrevê-los:
???Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, FISCAL, previdenciária, trabalhista OU DE OUTRA NATUREZA, SALVO se movido:(…)VI – por ter sido ADQUIRIDO com produto de crime OU para execução de sentença penal condenatória a RESSARCIMENTO, INDENIZA????O ou PERDIMENTO DE BENS.???
A condenação penal ao pagamento de MULTA não se confunde com NENHUMA dessas hipóteses (ressarcimento, indenização ou perdimento). Explico.
A pena de multa (sempre contada em dias-multa) é destinada ao ???fundo penitenciário??? e, por conseguinte, tem natureza jurídica distinta do ???ressarcimento??? ou da ???indenização???, porque estas hipóteses obrigam à devolução ou pagamento, à vítima, em espécie, de valor equivalente ao que dela o condenado tenha tomado. ?? pena com esse caráter, o Código Penal denomina ???prestação pecuniária??? (art. 45, §3º). Ora, Genoino foi condenado por ???corrupção ativa??? (sic!), crime que teria praticado valendo-se de dinheiro do PT, que por seu turno o teria obtido mediante empréstimo bancário, ainda que supostamente ???fraudulento???, de modo que a ???vítima??? seria o próprio PT ou o banco, mas, até onde eu saiba, ele não foi condenado a ressarcir ou indenizar, nem ao partido, nem à instituição financeira.
A multa também difere, na sua natureza, do ???perdimento dos bens???, porque esta pena, com esta exata denominação, diz respeito aos bens que o condenado porventura tenha obtido com o produto do crime pelo qual fora julgado. O Código Penal usa terminologia levemente diferenciada da que faz uso a lei 8009, quando menciona a pena de ???perda de bens??? (???perda???, em lugar de ???perdimento???), prevendo que o respectivo montante, embora igualmente destinado, tal qual a multa, ao fundo penitenciário, tem sua medida conforme o ???prejuízo causado??? ou o ???proveito obtido??? pelo condenado ou por terceiro, ???em CONSEQU??NCIA da prática do crime???. Essa circunstância, essa condenação à pena de ???perda dos bens ou valores???, fosse o caso, deveria estar explícita na sentença, mas não está. Eis o texto da lei respectiva (Código Penal):
???Art. 45, §3º A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor TERÁ COMO TETO – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em consequência da prática do crime???
A pena de MULTA, por seu turno, é tratada no art. 49, o qual tem a seguinte redação:
???Art. 49 – A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.???
O mais importante e que devo frisar é que a pena de ???perda de bens??? tem natureza de PENA SUBSTITUTIVA (art. 44), ou seja, S?? ?? APLICADA EM SUBSTITUI????O ?? DE PRIS??O (técnica e pomposamente designada “pena restritiva de liberdade”). Logo, quem está preso, como é o caso de Genoino, não pode ser obrigado a pagar outra pena, que só teria lugar em substituição à principal.
Eis o texto exato do Código Penal, a respeito:
???Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e SUBSTITUEM as privativas de liberdade (…)???, seguindo-se as hipóteses de sua admissibilidade.
Enfim, é isso. Metade da casa de Genoino e esposa (ou convivente) a ela pertence e não pode ser apropriada pela União, em eventual processo de execução fiscal. E a outra metade está também totalmente protegida, por se tratar de bem de família.
Espero ter colaborado.
Por outro lado, compreendo que todo cuidado é pouco, pois o processo (AP 470) vem sendo tocado, desde o início, ao arrepio da lei e das garantias constitucionais. Não quero me furtar a contribuir financeiramente, nem desestimular a movimentação nesse sentido, pois sei que é sempre possível uma eventual ruptura (outra) da legalidade. Se, todavia, como é de se desejar, a lei for respeitada, ao menos o fundo arrecadado poderá, de alguma maneira ainda a ser estudada, ser revertido em favor da campanha de um dos filhos – Miruna, talvez – à Câmara Federal. Essa será nossa melhor resposta aos absurdos a que estamos assistindo.
Contem comigo, sempre.
Americana, 8 de janeiro de 2014 Luís Antônio Albiero, OAB/SP 92435.
Advogado rasga o coração por Genoíno
O advogado Luis Antonio Albiero, do PT, escreveu uma longa carta para o ex-presidente do PT, José Genoíno, preso desde o dia 15 de novembro, por conta do escândalo do Mensalão. Abaixo a carta e a mensagem de Albiero.
Amigos, sei que talvez seja pretensão demais da minha parte, mas gostaria que, quem porventura tiver acesso, fizesse chegar este texto a familiares do companheiro José Genoino – particularmente à Miruna, que é quem tem tomado a frente no caso da prisão do pai.********
Aos familiares do eterno presidente, companheiro José Genoino.
Não sei se este texto chegará ao seu destino. Ainda assim, ouso escrever-lhes para tranquilizá-los acerca da ameaça de perderem o único bem imóvel pertencente ao nosso querido ex-presidente, por quem tenho profunda admiração e a quem a Nação brasileiro tanto deve.
Não sei se ele é casado ou se vive em união estável, tampouco sei há quanto tempo ele e a esposa (ou convivente, não faz diferença) estão juntos ou qual o regime de bens de eventual casamento, mas aposto que pelo menos metade da propriedade é dela. Sendo assim, desde logo afirmo que essa metade está livre de ser apropriada pela União, em caso de execução fiscal da multa a que ele foi condenado, já que a coproprietária não tem responsabilidade alguma sobre os atos atribuídos ao marido. Ainda que porventura o imóvel, em sua totalidade, fosse a leilão, metade do valor avaliado haveria de ser reservada em favor da cônjuge (ou convivente).
Mas vou além. A lei 8009, de 29 de março de 1990, garante a IMPENHORABILIDADE do imóvel, por se tratar de “bem de família”. Transcrevo abaixo, porque é de simples compreensão, o art. 1º da mencionada lei:
???Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, ?? IMPENHORÁVEL E N??O RESPONDERÁ POR QUALQUER TIPO DE DÍVIDA civil, comercial, fiscal, previdenciária OU DE OUTRA NATUREZA, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.???
Sim, é verdade que a lei prevê exceções à impenhorabilidade do “bem de família”, e uma das exceções justamente diz respeito a condenações de natureza penal. Ainda assim, não é o caso de José Genoino, haja vista que a ressalva à impenhorabilidade, nesse âmbito criminal, diz respeito apenas a bens adquiridos COM O PRODUTO DO CRIME pelo qual o proprietário tenha sido condenado (o que, evidentemente, não é o caso do imóvel que o casal possui há várias décadas, conforme amplamente noticiado) ou quando se tratar de sentença que o tenha condenado a ???ressarcimento, indenização ou perdimento de bens???.
Não é preciso deter conhecimentos jurídicos para compreender o que diz o art. 3º e seu inciso VI, ambos da lei 8009, razão pela qual também me permito transcrevê-los:
???Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, FISCAL, previdenciária, trabalhista OU DE OUTRA NATUREZA, SALVO se movido:(…)VI – por ter sido ADQUIRIDO com produto de crime OU para execução de sentença penal condenatória a RESSARCIMENTO, INDENIZA????O ou PERDIMENTO DE BENS.???
A condenação penal ao pagamento de MULTA não se confunde com NENHUMA dessas hipóteses (ressarcimento, indenização ou perdimento). Explico.
A pena de multa (sempre contada em dias-multa) é destinada ao ???fundo penitenciário??? e, por conseguinte, tem natureza jurídica distinta do ???ressarcimento??? ou da ???indenização???, porque estas hipóteses obrigam à devolução ou pagamento, à vítima, em espécie, de valor equivalente ao que dela o condenado tenha tomado. ?? pena com esse caráter, o Código Penal denomina ???prestação pecuniária??? (art. 45, §3º). Ora, Genoino foi condenado por ???corrupção ativa??? (sic!), crime que teria praticado valendo-se de dinheiro do PT, que por seu turno o teria obtido mediante empréstimo bancário, ainda que supostamente ???fraudulento???, de modo que a ???vítima??? seria o próprio PT ou o banco, mas, até onde eu saiba, ele não foi condenado a ressarcir ou indenizar, nem ao partido, nem à instituição financeira.
A multa também difere, na sua natureza, do ???perdimento dos bens???, porque esta pena, com esta exata denominação, diz respeito aos bens que o condenado porventura tenha obtido com o produto do crime pelo qual fora julgado. O Código Penal usa terminologia levemente diferenciada da que faz uso a lei 8009, quando menciona a pena de ???perda de bens??? (???perda???, em lugar de ???perdimento???), prevendo que o respectivo montante, embora igualmente destinado, tal qual a multa, ao fundo penitenciário, tem sua medida conforme o ???prejuízo causado??? ou o ???proveito obtido??? pelo condenado ou por terceiro, ???em CONSEQU??NCIA da prática do crime???. Essa circunstância, essa condenação à pena de ???perda dos bens ou valores???, fosse o caso, deveria estar explícita na sentença, mas não está. Eis o texto da lei respectiva (Código Penal):
???Art. 45, §3º A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor TERÁ COMO TETO – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em consequência da prática do crime???
A pena de MULTA, por seu turno, é tratada no art. 49, o qual tem a seguinte redação:
???Art. 49 – A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.???
O mais importante e que devo frisar é que a pena de ???perda de bens??? tem natureza de PENA SUBSTITUTIVA (art. 44), ou seja, S?? ?? APLICADA EM SUBSTITUI????O ?? DE PRIS??O (técnica e pomposamente designada “pena restritiva de liberdade”). Logo, quem está preso, como é o caso de Genoino, não pode ser obrigado a pagar outra pena, que só teria lugar em substituição à principal.
Eis o texto exato do Código Penal, a respeito:
???Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e SUBSTITUEM as privativas de liberdade (…)???, seguindo-se as hipóteses de sua admissibilidade.
Enfim, é isso. Metade da casa de Genoino e esposa (ou convivente) a ela pertence e não pode ser apropriada pela União, em eventual processo de execução fiscal. E a outra metade está também totalmente protegida, por se tratar de bem de família.
Espero ter colaborado.
Por outro lado, compreendo que todo cuidado é pouco, pois o processo (AP 470) vem sendo tocado, desde o início, ao arrepio da lei e das garantias constitucionais. Não quero me furtar a contribuir financeiramente, nem desestimular a movimentação nesse sentido, pois sei que é sempre possível uma eventual ruptura (outra) da legalidade. Se, todavia, como é de se desejar, a lei for respeitada, ao menos o fundo arrecadado poderá, de alguma maneira ainda a ser estudada, ser revertido em favor da campanha de um dos filhos – Miruna, talvez – à Câmara Federal. Essa será nossa melhor resposta aos absurdos a que estamos assistindo.
Contem comigo, sempre.
Americana, 8 de janeiro de 2014 Luís Antônio Albiero, OAB/SP 92435.