Artigo- A lógica do favor

Política crítica,

Artigo- A lógica do favor

20 de abril de 2013

A lógica do favor é uma patologia da política brasileira estudada há anos. Vários intelectuais já se debruçaram e debruçam para entender a dinâmica dela lá pelos idos do final do século XIX e começo do XX, período em que o ???voto de cabresto??? era uma das principais marcas da política nacional.

Naqueles tempos, os coronéis usavam a força do poder econômico para comprar votos e coagir eleitores. Os anos se passaram. A sociedade brasileira se tornou mais dinâmica e moderna. O voto de cabresto perdeu força, mas a lógica do favor continua ativa no DNA da política brasileira, para o bem e para o mal.

Há um senso comum de que todo político coopta os eleitores com favores e cuida apenas de proteger seus interesses e não os da sociedade (o famoso clientelismo). Esta visão é comum em mentes de pessoas que não conhecem a política real e desprezam fatores estruturais que ajudam examinar a problemática com mais cuidado.

O âmbito municipal é o melhor para ser abordado porque vereadores e prefeitos estão próximos dos munícipes. Em todas as cidades há pessoas que não têm condições de comprar remédios, arcar com custos de um funeral ou levar um ente querido limitado fisicamente ao médico. Quando não há para quem apelar, o pobre procura o vereador. O crítico mordaz dos favores mandaria o morador procurar seus direitos? A necessidade é para ontem. O vereador tem de ajudar, por duas razões: uma, humanitária, e a outra, política: o pobre necessitado vota.

A doença não espera. A fome também não. Não há, em vários casos, tempo para o necessitado esperar pela lei e nem pela burocracia – coisas eficientíssimas no Brasil. Em geral, os pobres iletrados são tratados por servidores como espantalhos e ficam sem ter a quem recorrer. Criticar vereadores e prefeitos por darem um jeitinho para o descamisado é fácil, duro é colocar-se no lugar de ambos e dar conta do recado. O ponto é outro: a lógica do favor é perversa quando fere a comunidade e quando passa ser o objetivo único do legislador.
O trabalho do legislador tem de ir além. Ele tem de defender causas que promovam mudanças de grande impacto na comunidade. Se há miseráveis nas Câmaras Municipais pedindo socorro é porque os serviços públicos vão de mal a pior, os vereadores devem ajudar o prefeito a brigar por verbas estaduais e federais e melhorar os serviços. Os vereadores têm fiscalizar o executivo bem como a relação do setor privado com a comunidade. Os vereadores devem criar leis voltadas para a juventude, segurança, terceira idade, meio-ambiente, urbanização, conscientização contra as drogas, qualidade de vida etc. 

Quando um político não tem causas por que lutar, torna-se prisioneiro do clientelismo.  Aí começa a liberar alvarás ilegais para ???Santa Marias??? da vida e proteger corruptos – entenderam quando o favor fere a comunidade? O perigo: um parlamento hegemonizado por clientelistas é o mesmo que um cachorro infestado por milhares de carrapatos.  Uma hora o cachorro cede aos sugadores de sangue, e morre. Uma hora as instituições cedem aos sugadores do erário, e desmoronam. 
A lógica do favor tem limites. E perderá força em terras pátrias quanto menos dependentes do Estado os cidadãos forem.

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20 de abril de 2013

A lógica do favor é uma patologia da política brasileira estudada há anos. Vários intelectuais já se debruçaram e debruçam para entender a dinâmica dela lá pelos idos do final do século XIX e começo do XX, período em que o ???voto de cabresto??? era uma das principais marcas da política nacional.

Naqueles tempos, os coronéis usavam a força do poder econômico para comprar votos e coagir eleitores. Os anos se passaram. A sociedade brasileira se tornou mais dinâmica e moderna. O voto de cabresto perdeu força, mas a lógica do favor continua ativa no DNA da política brasileira, para o bem e para o mal.

Há um senso comum de que todo político coopta os eleitores com favores e cuida apenas de proteger seus interesses e não os da sociedade (o famoso clientelismo). Esta visão é comum em mentes de pessoas que não conhecem a política real e desprezam fatores estruturais que ajudam examinar a problemática com mais cuidado.

O âmbito municipal é o melhor para ser abordado porque vereadores e prefeitos estão próximos dos munícipes. Em todas as cidades há pessoas que não têm condições de comprar remédios, arcar com custos de um funeral ou levar um ente querido limitado fisicamente ao médico. Quando não há para quem apelar, o pobre procura o vereador. O crítico mordaz dos favores mandaria o morador procurar seus direitos? A necessidade é para ontem. O vereador tem de ajudar, por duas razões: uma, humanitária, e a outra, política: o pobre necessitado vota.

A doença não espera. A fome também não. Não há, em vários casos, tempo para o necessitado esperar pela lei e nem pela burocracia – coisas eficientíssimas no Brasil. Em geral, os pobres iletrados são tratados por servidores como espantalhos e ficam sem ter a quem recorrer. Criticar vereadores e prefeitos por darem um jeitinho para o descamisado é fácil, duro é colocar-se no lugar de ambos e dar conta do recado. O ponto é outro: a lógica do favor é perversa quando fere a comunidade e quando passa ser o objetivo único do legislador.
O trabalho do legislador tem de ir além. Ele tem de defender causas que promovam mudanças de grande impacto na comunidade. Se há miseráveis nas Câmaras Municipais pedindo socorro é porque os serviços públicos vão de mal a pior, os vereadores devem ajudar o prefeito a brigar por verbas estaduais e federais e melhorar os serviços. Os vereadores têm fiscalizar o executivo bem como a relação do setor privado com a comunidade. Os vereadores devem criar leis voltadas para a juventude, segurança, terceira idade, meio-ambiente, urbanização, conscientização contra as drogas, qualidade de vida etc. 

Quando um político não tem causas por que lutar, torna-se prisioneiro do clientelismo.  Aí começa a liberar alvarás ilegais para ???Santa Marias??? da vida e proteger corruptos – entenderam quando o favor fere a comunidade? O perigo: um parlamento hegemonizado por clientelistas é o mesmo que um cachorro infestado por milhares de carrapatos.  Uma hora o cachorro cede aos sugadores de sangue, e morre. Uma hora as instituições cedem aos sugadores do erário, e desmoronam. 
A lógica do favor tem limites. E perderá força em terras pátrias quanto menos dependentes do Estado os cidadãos forem.

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