Entende-se por conjuntura econômica um curto período de tempo, geralmente meses, em que a conjunção de variáveis macroeconômicas ??? como nível geral de preços, liquidez e taxas de juros, resultados orçamentários dos governos e sustentabilidade da dívida pública, performance das relações com o exterior e seu impacto sobre as reservas internacionais etc. ??? impacta o nível de atividades (ou o PIB), gerando desemprego ou inflação, obrigando o governo a tomar medidas corretivas, a fim de destravar a produção ou de limitar o seu ritmo, no curto prazo, em função de a capacidade produtiva estar abaixo de seu potencial ou acima dele. A essas medidas corretivas se dá o nome de política econômica, com suas vertentes monetária, fiscal e cambial.
Quando se pensa a economia enquanto um estoque de recursos disponível para utilização produtiva ao longo dos anos, a uma determinada taxa de[ produtividade, fala-se em estrutura econômica de um país, constituída no transcorrer de extensos períodos, nos quais a fronteira agrícola se expande, novas plantas industriais se instalam, as habilidades profissionais dos agentes econômicos se aperfeiçoam, amplia-se a rede de infraestrutura (transportes, comunicações, energia etc.). O reino, neste caso, é o da microeconomia.
Conjuntura e estrutura econômicas, então, são apenas miradas temporais sobre o processo econômico, focando-se ora no curto, ora no longo prazo, atentando-se ora para as variáveis macroeconômicas (e seu impacto sobre o PIB real), ora para as variáveis microeconômicas (e seu impacto sobre o PIB potencial). Portanto, as políticas econômicas (visando o curto prazo) e as políticas de desenvolvimento, com destaque para as políticas industrial e de ciência e tecnologia (visando o longo prazo), devem ser traçadas e implementadas de modo que se reforcem mutuamente, garantindo, assim, taxas de crescimento anuais substantivas, com baixa inflação, e permanente ampliação da capacidade produtiva e da produtividade.
Celso Furtado foi um autor que estudou o processo de formação da economia brasileira, chamando a atenção para a natureza estrutural de sua concentração de riqueza e de sua dinâmica dependente, geradoras, entre outas coisas, de extremas desigualdades regionais e funcionais de renda. Para ele, esses nós impediam o país de atingir níveis de desenvolvimento socioeconômico comparáveis aos dos países ricos de então. A partir dessas reflexões ??? que lhe permitiram elaborar uma teoria econômica alicerçada em variáveis históricas desconsideradas pelas teorias do desenvolvimento então vigentes, contribuindo para pensamento econômico latino-americano ??? Celso Furtado atuou grande parte da sua vida em órgãos governamentais criados para desatar os nós que atravancavam a plenitude econômica do Brasil. Seu legado, como economista e homem de ação, é um monumento à atuação desenvolvimentista do Estado em nações então denominadas subdesenvolvidas (algumas, hoje, apelidadas de emergentes).
Então, para quê chamar a atenção para este estudioso da realidade brasileira (em seus aspectos estruturais) ao discutir a conjuntura atual?
Ocorre que as decisões e ações que o governo ilegítimo e amplamente rejeitado de Michel Temer, sob o pretexto de estar tomando medidas de política econômica (de política fiscal, especificamente, visando ao combate dos desequilíbrios nos orçamentos fiscal e da previdência), são, de fato, decisões e ações que têm por finalidade reverter a lógica desenvolvimentista até então perseguida por sucessivos governos do país, com (maior ou menor) protagonismo do Estado no processo econômico. O que até aqui se conquistou, a duras penas, sob a “mão visível” do Estado, em termos de inclusão regional e de pessoas à dinâmica econômica, em termos de desconcentração da riqueza e da renda, em termos de defesa dos interesses nacionais, em termos de ofensivas para integração do Brasil à economia global acelerada e competitiva, em termos de estruturação de instituições favoráveis ao desenvolvimento etc., todas essas conquistas estão sendo alvos de reformas ou de desleixos quotidianos que atentam contra qualquer racionalidade socioeconômica que tenha em consideração as perspectivas favoráveis (ou até menos desfavoráveis) ao Brasil no cenário e no momento atual, marcados, desde 2008, por uma crise financeira internacional cuja solução, já se pode concluir, não passará pelo receituário de política econômica abraçado acriticamente pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central brasileiros.
As propostas econômicas e sociais do governo Temer, tachadas por seus próprios aliados de pinguela, jogam não só contra o desenvolvimento do país, no curto e no longo prazo: também violentam o que aqui se acumulou de pensamento social pertinente a países de economias atrasadas (ou pior, retardatárias, diria João Manuel Cardoso de Melo) ??? esquecem e desprezam as obras de Celso Furtado, Josué de Castro, Milton Santos e até de Guerreiro Ramos.
Tais autores jamais serão ultrapassados. Quando ??? quiçá um dia isso aconteça! ??? as travas da desigualdade forem finalmente arrebentadas no Brasil, ainda haveremos de nos lembrar daqueles que, na contracorrente do comportamento de uma elite eternamente patrimonialista e sem rumo, e de um povo sem eira nem beira, e também com poucas chances e oportunidades na vida, insistiram na afirmativa de que sem superar a miséria não se constrói uma Nação e não se pratica economia capaz de ocupar vastidões territoriais criando oportunidades que não vão além (quando chegam a tanto) do prato de comida de uma refeição por dia para a maioria do povo ??? povo roubado naquilo que Furtado defendia que lhe fosse dado: oportunidades, numa sociedade de consumo, mercantil capitalista, nada mais que isso.
Aos que dirão “??, mas não há mais espaço para um padrão desenvolvimentista tal como o preconizado pelo pensamento da CEPAL”, um lembrete: também não há mais como devolver o Brasil aos padrões pré-urbanização/industrialização por substituição de importações, em tempos pós-industriais. Para tentar deixar mais clara a diferença entre os dois pensamentos: diante do anúncio de um tsunami, os desenvolvimentistas correm, nadam, pulam ??? buscando dentro de si mesmos as forças para escapar à tragédia; os adeptos do neo-velho-consenso-de-Washington constroem um castelo de areia na praia, acreditando nas forças dessa pueril barreira. Na mensagem básica de Furtado, esperança! Na de Meirelles, alienação.Uma solução haverá: há que se saber se será com ou sem inclusão social, se será com ou sem soberania nacional. Do contrário, “Não verás país nenhum”, parafraseando o título do famoso livro de Ignácio de Loyola Brandão que, aliás, na página 191 da edição da Global Editora, registra: “Fomos nos habituando, de tal modo que passamos a pactuar com a tragédia, aceitando-a como cotidiano. Me espanta essa capacidade de acomodação da mentalidade, sua adaptação ao horror”.
Economista, professor do Mestrado em Poder Legislativo da Câmara dos DeputadosEconomista, chefe do Departamento de Administração Pública da UNESP