A ‘inquebrantável’ relação entre os alunos e seus celulares, ou tablets, vem promovendo discussões no ambiente educacional em relação a como integrar essas tecnologias de forma positiva à dinâmica do aprendizado, sem incentivar a dispersão.
Se por um lado há quem argumente que os celulares são uma fonte de distração para os estudantes, que podem prejudicar o próprio desempenho acadêmico e a concentração em sala de aula, por outro é inegável que também podem ser aliados no processo educacional.
“Entendo que, se houver intencionalidade pedagógica, os dispositivos eletrônicos como celulares e tablets são ferramentas importantes para auxiliar o aprendizado. O desafio da utilização dessas ferramentas está, justamente, em aliar o uso pedagógico no dia a dia do aluno e, ao mesmo tempo, evitar a perda do foco e distração”, avalia a presidente-executiva do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco.
“Muitas escolas e redes de ensino têm proibido o celular em sala de aula, mas nós alertamos que precisamos pensar em como a educação pode contribuir para o uso qualificado desse dispositivo”, continua. Patrícia será uma das palestrantes do painel “Conectividade na educação: celular na sala de aula – Sim ou Não?”, no dia 26/04, às 15h30, durante a Bett Brasil, o maior evento de Inovação e Tecnologia para Educação na América Latina, que será realizado de 23 a 26 de abril, no Expo Center Norte, em São Paulo (SP).
Prós e contras
Com acesso à internet e a uma infinidade de aplicativos educacionais, os alunos têm a oportunidade de ampliar seus conhecimentos, pesquisar informações, colaborar em projetos e desenvolver habilidades digitais essenciais para o século XXI.
Além disso, os celulares e os tablets podem ser utilizados como ferramentas de aprendizagem interativa, estimulando a criatividade, a autonomia e a colaboração entre os estudantes.
“A nossa principal política pública no Rio de Janeiro são os Ginásios Educacionais Tecnológicos, os GETs, um novo modelo de escola criado, com a tecnologia como o seu principal ativo, mas utilizada com intencionalidade pedagógica para ajudar a Educação. Por exemplo, quando um professor quer fazer uma pesquisa, autoriza o aluno a usar um material digitalizado, mas está sendo direcionado”, comenta o secretário de Educação da prefeitura do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha.
Os dispositivos podem, também, facilitar a comunicação entre alunos, professores e famílias, promovendo uma maior integração e envolvimento na comunidade escolar, dizem os especialistas. Por meio de mensagens, grupos de estudo e plataformas de ensino online, é possível estabelecer uma rede de apoio e troca de informações que contribui para a construção de um ambiente educacional mais dinâmico e participativo.
Vale a ressalva que o acesso constante às redes sociais, jogos e mensagens pode desviar a atenção dos alunos das atividades propostas pelos professores, comprometendo o aprendizado e o desenvolvimento das habilidades cognitivas. Além disso, a utilização excessiva de celulares pode gerar problemas de saúde, como dores musculares, lesões oculares e distúrbios do sono, devido à postura inadequada e ao tempo prolongado em frente às telas. Essas questões levantam preocupações sobre o impacto negativo que o uso indiscriminado de celulares pode ter na saúde e no bem-estar dos estudantes, ressaltando a importância de estabelecer limites e orientações claras sobre o uso desses dispositivos.
“Sobre como integrar de forma positiva, acredito que a primeira questão é que os professores precisam estar inseridos na cultura digital. É muito importante que eles utilizem as ferramentas e que percebam o quanto podem potencializar o ensino. Então, quanto mais professores com formação digital tivermos, melhor para o todo ambiente, pois assim criamos uma rede de pessoas preparadas para usar tecnologia”, explica o diretor de tecnologia educacional do Colégio Bandeirantes, Emerson Bento Pereira. Assim como Patrícia Blanco e Renan Ferreirinha, Pereira participará do painel “Conectividade na educação: celular na sala de aula – Sim ou Não?” na Bett Brasil em abril.
Bons motivos
Patrícia vai além, e acrescenta alguns motivos para o uso intencional e mediado de celulares e redes sociais nas escolas:
– Aprender a fazer pesquisas qualificadas: “é preciso conhecer as possibilidades e limitações das novas ferramentas para poder fazer uso adequado delas. O ChatGPT, por exemplo, gera textos coerentes e convincentes, mas que podem ser imprecisos”.
– Aprender a avaliar a informação: “ao navegar pelas redes, os adolescentes devem entender, por exemplo, que a popularidade de influenciadores não necessariamente lhes confere a autoridade de especialistas; e reconhecer a necessidade de verificar a informação antes de compartilhá-la”.
– Conhecer o funcionamento dos ambientes algorítmicos: “é preciso entender por que vemos o que vemos na internet. Isso significa problematizar o funcionamento das decisões algorítmicas que regem nosso acesso à informação e nossas interações”.
– Observar as relações de poder por trás da tecnologia: “os sistemas tecnológicos tendem a reproduzir assimetrias de poder. É o caso, por exemplo, de IA’s treinadas com dados pouco representativos da diversidade presente na sociedade. Os jovens devem aprender a questionar seu funcionamento e identificar a que interesses servem essas tecnologias, que podem ampliar desigualdades ou mesmo silenciar determinadas visões de mundo”.
– Praticar o uso positivo: “além de condenar o bullying e as agressões, podemos ajudar os jovens a identificar os aspectos positivos da internet, e direcionar seu uso para isso”.
O papel da escola: conscientização dos alunos e criação de regras e diretrizes
Diante desse cenário é fundamental encontrar um equilíbrio entre o uso consciente e responsável dos celulares, garantindo que esses dispositivos sejam utilizados de forma produtiva e benéfica para o processo de ensino/aprendizagem.
“Temos que contar com novas regras para a realidade que vivemos. Hoje, há um uso excessivo das redes sociais, por isso, é necessário educar e apoiar as crianças para esse novo tempo e, nesse sentido, regras são fundamentais. Ficar demais no celular é comprovadamente prejudicial e é preciso educar os hábitos, com um uso mais consciente e responsável da tecnologia. Toda criança e adolescente deve ter determinações dentro de casa e, na escola, não pode ser diferente. Essa é a única forma de educarmos corretamente as nossas crianças. E é importante ressaltar que não somos contra o uso da tecnologia na Educação, desde que utilizada de forma consciente e responsável”, evidencia Renan.
Para isso, avalia Blanco, é essencial promover a conscientização dos alunos sobre os impactos do uso excessivo de celulares, incentivando a reflexão sobre seus hábitos e comportamentos online.
“Com o uso mediado por educadores e com intencionalidade pedagógica é diferente. Nesse sentido, a própria escola pode contribuir para que os jovens percebam que há momentos de desplugar, entendam de que forma as redes sociais mostram apenas o lado bom da vida dos outros, criando a sensação de que somos inferiores, etc. A construção dessa consciência sobre o uso mais seguro e responsável também passa pela escola”, reforça Blanco.
Uso consciente e sem excessos
Este é o caso do Bandeirantes, colégio paulistano que desde 2013 utiliza dispositivos em sala de aula com os alunos, porém, com normas para o uso consciente e sem excessos.
“Desde 2013, passamos a entender que era importante fazermos o que hoje chamamos de transformação digital. Muitos dos acessos que os alunos têm a conteúdos e materiais digitais também precisam acontecer dentro da escola. Em um primeiro momento, tínhamos os alunos do fundamental usando o tablet e alunos do ensino médio usando tablet ou celular. Depois da pandemia, quando o uso de tecnologia ficou muito mais intenso, passamos a adotar o tablet, também, para o ensino médio. Hoje, orientamos que os alunos tragam um tablet para fazer o acompanhamento do dia a dia da escola. Atualmente, chegamos a ter 3.600 máquinas conectadas simultaneamente em nossa rede, mas não incentivamos o uso de celular. Inclusive, pedimos para que os alunos deixem o celular na mochila, de preferência desligado”, mostra Emerson.
Ele aponta que é importante que as escolas desenvolvam políticas e diretrizes claras sobre o uso de celulares em sala de aula, estabelecendo regras e limites que respeitem tanto a necessidade de acesso à tecnologia quanto o ambiente de aprendizagem.
“Acredito que a escola precisa definir e comunicar com clareza os momentos e motivos de uso do celular. Deixar claro em quais momentos o uso será permitido e quando será proibido. Esses acordos valem tanto para alunos, como para educadores e familiares. Temos visto boas iniciativas de criação de códigos de conduta por parte de escolas e redes de ensino que vem contribuindo para pacificar este tema. O que é importante reforçar é que não podemos demonizar o uso e, sim, apoiar o aluno para que ele desenvolva a capacidade crítica e possa ter uma experiência fortalecedora do uso da tecnologia, tanto dentro da escola como fora dela”, afirma Patrícia.
O papel do professor
Os professores desempenham um papel fundamental nesse processo, utilizando os celulares como recursos pedagógicos e integrando-os de forma criativa e significativa nas atividades escolares.
“Há mais de dez anos, o Bandeirantes oferece o tablet para todos os professores e, com isso, eles se apropriaram dessa tecnologia. E quando isso acontece fica muito mais tranquilo e fácil para a escola. Procuramos incentivar a busca por novas ferramentas, o que faz com eles aprendam muito e, quando percebemos, já existem várias ações acontecendo na escola usando a tecnologia. Além disso, a forma mais positiva é que os adultos também usem a tecnologia e, assim, possam servir de exemplo para os alunos que, apesar de serem nativos digitais, precisam de orientação sobre como usar aplicativos, como Word e Excel. Por isso, precisamos que os professores ensinem esse tipo de utilização”, completa Emerson.