Dezenas de milhares de pessoas foram às ruas em cidades ao redor da França para protestar contra a recente onda de ataques antissemitas no país. Líderes políticos de vários partidos, incluindo os ex-presidentes François Hollande e Nicolas Sarkozy, encontraram-se na Place de la Republique, em Paris, para condenar os atos.
O atual presidente francês, Emmanuel Macron, visitou o Memorial Nacional do Holocausto, na capital francesa, ao lado dos líderes do Senado e da Assembleia Nacional. Foram reações aos ataques antissemitas em cemitérios judeus como o de Estrasburgo, na fronteira com a Alemanha, na metade de fevereiro ??? a França tem a maior população judia do mundo fora de Israel e dos Estados Unidos.
O governo alertou que o antissemitismo “está se espalhando como um veneno” na França, apesar de o trauma dos 78 mil judeus deportados para campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial ??? enviados pelo governo francês de Vichy, colaboracionista com os nazistas naquele período ??? ainda ser sentido na sociedade francesa.
Em fevereiro, um cemitério judeu em Quatzenheim, na Alsácia, foi invadido e cerca de 80 tumbas foram pichadas com suásticas. Macron visitou o local no dia seguinte, afirmando aos líderes locais e à comunidade judia que “era importante para ele estar ali naquele momento”. Nos últimos finais de semana, às margens dos atos dos gilets jaunes, vários discursos de ódio foram direcionados ao filósofo Alain Finkielkraut, filho de um judeu polonês conhecido por ter sobrevivido a Auschwitz. Um grupo de homens o chamou de “sionista sujo” e disse que a “França não lhe pertence”.
Dois adolescentes foram presos no final do mês passado depois de serem acusados de abrir fogo contra uma sinagoga com um rifle na região de Sarcelles, na periferia de Paris, onde vive grande parte da comunidade judaica da capital francesa. No começo de fevereiro, suásticas foram pintadas em postes da cidade sobre o rosto de Simone Veil, uma política francesa que sobreviveu ao Holocausto. A palavra alemã “juden” (“judeus”) foi escrita na janela de uma padaria na ??le Saint-Louis, no coração da metrópole, onde turistas compram passagens áereas para outros países do continente.
A mídia francesa percebeu o crescimento dos ataques antissemitas e de pichações relacionadas ao nazismo nas margens dos protestos dos gilets jaunes, que começaram em novembro como manifestações contra a alta dos impostos sobre combustíveis e se tornaram um grande movimento antigoverno e antielites. Alguns manifestantes usaram expressões antissemitas para se referir ao antigo emprego de Macron, no banco Rothschild.
Acadêmicos que estudam os gilets jaunes, porém, disseram aos jornais franceses que os protestos em si não são antissemitas, mas como qualquer grande movimento sem um líder claro, eles resultaram em pequenos atos contra judeus coordenados pela extrema-direita. “Os gilets jaunes não são antissemitas, mas eles são um movimento horizontal, sem lideranças ??? e elementos extremistas viram aí brechas para colocar suas vozes na mídia”, disse Jean-Yves Camus, sociólogo da Political Radicalisation Observatory, em Paris, ao Le Monde.
A rabina da capital francesa, Delphine Horvilleur, disse ao jornal Libération que ela já pediu aos gilets jaunes que se levantem e digam que os atos não são em seu nome. Ela acredita que o movimento deve estar presente nos próximos atos contra os ataques, marcados para as próximas semanas.
De fato, os ataques antissemitas são anteriores aos gilets jaunes: no ano passado, a polícia francesa registrou um aumento de 74% em denúncias de ofensas contra judeus, causando alarme vermelho em um país que é a casa da maior população judia da Europa. Muitos analistas dizem que as estatísticas dos ataques podem ser ainda maiores, porque nem todos foram registrados oficialmente.
Macron afirmou na semana passada que os vandalismos e movimentos antissemitas são “a absoluta negação de que nós somos e o que faz com que sejamos uma grande nação”. Ele vociferou que os atos não serão tolerados. No dia seguinte, ele sugeriu enviar um projeto de lei ao Parlamento tornando o antissionismo um crime na França. O seu primeiro-ministro, ??douard Philippe, porém, foi mais incisivo:
“O antissemitismo está profundamente enraizado na sociedade francesa. Nós gostaríamos de pensar que não é assim, mas é um fato. Nós devemos estar determinados, eu diria quase enfurecidos, em nosso desejo de lutar, com uma consciência clara de que essa luta é antiga e vai durar muito tempo.”
Na semana passada, porém, Macron engrossou o discurso: durante um jantar em uma organização judaica em Paris, ele disse que o antissemitismo está alcançando seus piores níveis desde a Segunda Guerra Mundial por toda a Europa.