Uma empregada doméstica vai receber mais de R$ 300 mil de indenização em acordo homologado nesta quinta-feira (21/10) pela Justiça do Trabalho. A proposta foi construída com a participação da Defensoria Pública da União (DPU), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério Público Federal (MPF).
Em junho deste ano, após denúncias anônimas, ela foi resgatada de situação de trabalho análogo à escravidão, a qual foi submetida por 25 anos em São José dos Campos (SP). Na ocasião do resgate, a trabalhadora foi encaminhada a um abrigo municipal, e o empregador, preso em flagrante.
Em relação aos direitos individuais, o acordo garantiu à mulher de 46 anos o valor de R$ 200 mil para a compra de uma casa e 80% do valor relativo aos salários dos últimos cinco anos de trabalho, o que corresponde a cerca de R$ 70 mil.
A conciliação também garantiu, entre outros itens, uma pensão no valor de um salário-mínimo pelo período de cinco anos e o pagamento da contribuição facultativa ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pelos próximos cinco anos, que cessará caso a trabalhadora estabeleça vínculo de emprego. Além disso, à época do resgate, a vítima já havia recebido o pagamento da rescisão trabalhista de aproximadamente R$ 22 mil e a regularização do vínculo laboral dos últimos 25 anos junto ao INSS.
Trabalho análogo à escravidão
Aos 13 anos de idade, a mulher começou a prestar serviços à família da mãe da atual empregadora. Na última residência, trabalhou de setembro de 1996 até o dia do resgate. Segundo as provas angariadas no inquérito do MPT, a vítima sofria restrição de liberdade. Por mais de duas décadas, foi impedida de qualquer convivência social e trabalhava em jornada exaustiva, de segunda a domingo.
Nas viagens da família, era levada para que pudesse manter a prestação de serviços mesmo durante os momentos de lazer dos empregadores. Sobre salário, o empregador alegou que era pago em conta corrente da mãe da vítima, com quem ela não mantinha contato próximo. Ou seja, na prática, a trabalhadora não recebia qualquer remuneração.
Em abril de 2021, a Polícia Militar recebeu denúncia de maus tratos em uma residência de São José dos Campos. Esteve no local e lavrou um boletim de ocorrência para investigações posteriores. Em junho, a procuradora Ana Farias Hirano obteve uma decisão cautelar para ingressar no domicílio.
O MPT, pela procuradora Catarina von Zuben, em conjunto com auditores fiscais do Trabalho e Polícia Federal, e funcionários do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) foram à casa e comprovaram as irregularidades, sendo o empregador preso em flagrante e a empregada encaminhada a um abrigo municipal.
O acordo
A DPU foi procurada por representantes do MPT e do MPF com o objetivo de atuar no caso para garantir os direitos individuais da trabalhadora. O acordo firmado entre as partes foi subdividido em três cláusulas com especificidades de atuação das instituições. A cláusula de “ressarcimento à vítima” foi atribuição da Defensoria Pública da União; o item “termo de ajustamento de conduta trabalhista”, do Ministério Público do Trabalho; e a parte de “acordo de não persecução penal”, do Ministério Público Federal. Atuaram em conjunto na construção do documento o defensor público federal Djalma Pereira, a procuradora do Trabalho Ana Farias Hirano e o procurador da República Fernando Lacerda Dias. A defensora Hellena Pintor Bezerra Leite participou do ato de homologação.
“Foi muito importante a participação das três instituições no caso – DPU, MPT e MPF –, cada uma focada nas suas especialidades, pois a atuação em harmonia permitiu a rápida resolução do conflito, restando clara a necessidade de a DPU participar cada vez mais desse tipo de ação integrada com os demais órgãos, uma vez que dentre suas atribuições está a defesa da vítima e a busca de seus direitos individuais”, destacou Djalma Pereira.
“O trabalho conjunto entre as instituições garantiu o melhor desfecho possível para garantir direitos que podem ser usufruídos de forma imediata, sem a necessidade de tramitação judicial. Contudo, é importante pontuar que nenhum dinheiro no mundo será capaz de reparar a perda de 25 anos vivendo em condições análogas à escravidão, mas ao menos propiciará condições mais confortáveis de vida à trabalhadora daqui para a frente”, afirmou Ana Farias Hirano.
“Foi um trabalho coordenado entre MPF, MPT e DPU, com apoio da Prefeitura Municipal, que ainda fornece abrigo e apoio à vítima”, explicou Fernando Lacerda Dias. “O acordo viabilizou amplo ressarcimento à vítima, que vai ter condições de retomar sua vida plena e autônoma, mas também garantiu segurança jurídica aos investigados, com encerramento de possíveis demandas individual, coletiva trabalhista e penal. Acho que o resultado foi bom para todos”, avaliou o procurador da República.