O novo documentário de Anitta, lançado nesta quinta-feira, 6, revela com detalhes inéditos a jornada da cantora desde a infância até o topo da indústria musical global. Além de apresentar os bastidores da carreira, a produção expõe fragilidades e traumas que moldam a personalidade pública da artista, oferecendo ao público uma reflexão profunda sobre a construção de uma personagem e os impactos psicológicos dessa performance contínua.

Para a psicanalista Ana Lisboa, especialista em saúde mental feminina, a obra vai além do relato biográfico e levanta discussões sobre autoconhecimento, busca por validação e os efeitos da ausência de referências afetivas na infância.

“A primeira coisa que a gente precisa observar é a raiz disso tudo. Ela vem de um lugar de pobreza, onde o pai passa por dificuldades financeiras e, já muito nova, ela se vê obrigada a resolver problemas que são de adulto e não de criança, como conseguir pagar a escola”, explica a psicanalista.

A participação em um concurso cultural marca o início da personagem Anitta, segundo Lisboa.

Anitta e o carisma

“Ela percebe que, mesmo se sentindo inferior perto das outras meninas, existe algo que ninguém pode tirar dela: o carisma. E é ali que ela sobe ao palco e acontece o que a gente chama de dissociação”, analisa.

A dissociação, como define Ana Lisboa, é um mecanismo de defesa comum em crianças expostas a situações de forte impacto emocional. “Ela cria uma nova personalidade, uma máscara de ego, para sobreviver. Se ela performa, se ela aparenta segurança, ela conquista o que precisa e se sente protegida. Conseguiu a bolsa de estudos e entendeu que esse era o caminho para garantir segurança e aceitação”.

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O documentário ainda resgata momentos de vulnerabilidade de Larissa, o verdadeiro nome de Anitta, principalmente nos primeiros relacionamentos afetivos e situações de abuso. “A psique vai se fragmentando e, para cada situação de dor, nasce uma nova camada de defesa. Esse personagem cresce, se fortalece e vira um escudo para proteger o que é mais vulnerável”.

Essa separação entre a Larissa e a Anitta se torna uma estratégia de controle. “É como um ovo. A casca protege e tem uma forma definida para evitar que o que é frágil, a Larissa, fique exposto. Ela controla tudo para ninguém acessar essa parte”.

O controle excessivo, descrito em diversas cenas do documentário, também é analisado por Ana Lisboa. “Estar sempre à frente da equipe, dos shows, da agenda, de absolutamente tudo, é uma forma de garantir que ninguém vai chegar perto dessa vulnerabilidade. Por trás dessa postura de comando existe uma insegurança profunda e um medo constante de perder o controle”.

Lisboa observa que essa hipervigilância — antecipar cada movimento, prever cada situação — se torna uma armadilha psicológica. “Ela começa a viver no futuro, desconectada do presente. Confunde intuição com neurose, cria cenários de ameaça constante e, com isso, se desconecta dela mesma”.

A relação de Anitta com a mãe, também abordada no documentário, é um ponto central na análise da psicanalista. “Existe uma ferida materna muito presente. As mães que, por suas próprias dores e histórias, não conseguem expressar afeto ou validação criam filhas que vivem para provar que são boas o suficiente. Isso aparece claramente quando a Anitta descreve a relação com a mãe e como ela se torna uma criança que não quer incomodar, que resolve tudo sozinha, que assume uma postura de independência precoce para não gerar mais preocupações”.

Essa dinâmica de busca por aprovação se reflete diretamente na trajetória pública da cantora. “Ela performa o tempo todo. E, no vazio emocional dessa busca por validação, nenhuma atenção externa é suficiente. Isso é muito comum em filhas de mães exigentes, que crescem acreditando que precisam ser impecáveis para merecer amor”.

Para Lisboa, o grande diferencial da trajetória de Anitta é a decisão de interromper esse ciclo. “Muitos artistas sucumbem. Ela, ao contrário, parou e olhou para a Larissa. Percebeu que a Larissa criou a Anitta, e não o contrário. Esse momento em que ela reconhece que precisa cuidar da menina Larissa é o ponto de virada para a cura”.

O documentário mostra o retorno de Anitta às suas raízes e o resgate da conexão com a família e com o próprio corpo. “O irmão assume um papel de referência masculina, que é algo que faltou na infância dela. Ela se permite sair da performance e ser só Larissa, sem precisar provar nada”.

A análise de Ana Lisboa conecta a trajetória da cantora com padrões muito comuns entre mulheres. “Todas nós criamos personagens para sobreviver. O problema é quando o personagem vira um monstro que nos engole. A Anitta conseguiu entender que o sucesso verdadeiro não é chegar no topo, mas sim estar em paz com quem você é. Isso é maturidade”.

Para a especialista, a mensagem mais forte do documentário é sobre liberdade emocional. “Ele mostra que nós não precisamos ter certeza de quem somos o tempo todo. Podemos mudar. E tá tudo bem mudar. Não somos uma personagem fixa, mas sim um processo em constante evolução”.

O documentário de Anitta, ao revelar suas fragilidades, se torna um espelho poderoso para o público feminino. “Ele dá para as mulheres esse ar de que é possível ser quem somos, sem precisar provar nada o tempo inteiro. É libertador”, finaliza.

Ana Lisboa @analisboa

Fundadora e CEO do Grupo Altis, startup inovadora voltada para negócios sistêmicos e universidade reconhecida pelo MEC e especializada em saúde mental, Ana é especialista em terapias sistêmicas e lidera a comunidade Feminino Moderno com mais de 100 mil alunas em 72 países.

Psicanalista, professora, empresária, advogada, palestrante e fundadora do maior movimento de saúde mental feminina do mundo, que reuniu mais de 6 mil mulheres. Ana possui formações em Psicologia Positiva, Neurociências e Terapia de Casais. Graduada também em Direito, especialista em Direitos das Mulheres e Direito do Trabalho, e mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Autónoma de Lisboa.

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