É inegável que as tecnologias digitais tornaram o compartilhamento e a obtenção de mídias como fotos, filmes, vídeos e jogos muito mais conveniente, rápida e direta. Seria praticamente impossível imaginar a sociedade moderna sem acesso ao armazenamento digital, e em muitos casos, soluções baseadas em objetos e documentos físicos já foram completamente substituídas por suas versões digitais.

 

No entanto, o mundo analógico pode nos ensinar uma dura lição sobre as dificuldades de preservar a história e acesso às nossas memórias coletivas: aquilo que não é preservado é perdido, e em muitos casos, para sempre. É por isso que um grupo cada vez maior de internautas preocupados com a preservação do conteúdo digital, os autodenominados data hoarders, investem tempo e dinheiro para tentar simular o que museus e historiadores sempre fizeram. Conheça mais.

As mídias podem ser insubstituíveis

 

Serviços de streaming como o Spotify e Netflix, juntamente com serviços em nuvem como o Dropbox e Google Docs, podem nos acostumar com a ideia que na internet tudo é permanente e facilmente acessado – mas essa ilusão está longe de ser verdadeira, e já temos milhares de exemplos do problema da falta de preservação digital.

 

Gerações que cresceram com a internet já se lembram de redes sociais que foram apagadas, como o Orkut, e de jogos e animações cartoon criadas com muito esforço e paixão, como é o caso de animações em Flash publicadas em plataformas como o Newgrounds, enquanto novas gerações praticamente já nascem registrando momentos importantes de suas vidas no Instagram e TikTok – ao menos ao que indica a pesquisa da ExpressVPN, e por inúmeros motivos, uma boa parte desse conteúdo já desapareceu completamente da rede.

 

Diversos mecanismos diferentes podem resultar no fim de uma cópia digital. Exemplos antigos, mas extremamente frequentes, incluem as fitas VHS utilizadas para gravar programas de TV, filmes caseiros, e outras mídias no fim do século passado: programas absolutamente clássicos e louvados da televisão mundial, como Dr Who, possuem episódios perdidos para sempre pois as fitas usadas para reproduzir o programa foram gravadas por cima com outros conteúdos, milhares de brasileiros perderam memórias de aniversários e outros eventos por fitas queimadas ou rasgadas, e novelas inteiras de emissoras populares como a Globo não possuem versão em qualidade aceitável. E esses são só alguns dos problemas que podem causar a perda de mídia digital:

 

  • Degradação física: discos rígidos, SSDs, fitas magnéticas e CDs são objetos físicos com limitações que degradam, ao longo do tempo, os dados armazenados. CDs e DVDs por exemplo estão começando a se degradar após décadas armazenados, e HDs de computador possuem uma alta taxa de perda de arquivos. Memórias flash, como pendrives e cartões de câmera, são ainda mais sensíveis e possuem ciclos limitados de uso.
  • Formatos descontinuados: formatos antigos podem se tornar obsoletos e inacessíveis com o passar do tempo, é o caso de milhares de rádios online, jogos e animações criadas usando o Adobe Flash, plugin que não é mais suportado por computadores modernos. Softwares escritos para máquinas antigas podem não funcionar em dispositivos atuais, e em exemplos extremos, plataformas fechadas como o iPhone podem acabar para sempre com aplicativos antigos: é o caso do famoso jogo Flappy Bird, hoje completamente inacessível graças à proibição dos aplicativos em 32 bit pela Apple.
  • Algoritmos automáticos: um problema recente, mas desconhecido por muitos usuários, é a dependência da interpretação de algoritmos de inteligência artificial sob a nossa mídia. Em um caso famoso, nos Estados Unidos, um usuário perdeu todas as fotos de sua biblioteca do Google Fotos, que incluíam todas as fotos da infância e crescimento de seu filho – o algoritmo da plataforma identificou erroneamente fotos retiradas na piscina com as crianças como uma violação dos termos de uso, e sem aviso e sem chance de reversão, apagou toda a conta.

 

Outros exemplos incluem jogos como Pokémon, extremamente popular na infância de uma geração inteira, mas que graças ao uso de baterias internas nos cartuchos que em 2022 e 2023 finalmente perderam sua carga, tiveram suas memórias completamente apagadas.

 

Os data hoarders buscam contornar o problema

Preservação digital: conheça quem são os data hoarders e sua importância

Preservação digital: conheça quem são os data hoarders e sua importância

Se corremos o risco diário de perder séries famosas, fotos preciosas, jogos antigos e tantas outras mídias – será que não há mais pessoas preocupadas com a preservação da história e, principalmente, do acesso ao conteúdo antigo? A resposta é que não, pois uma grande comunidade se reúne em esforços gigantescos para preservar de tudo: revistas antigas, eBooks, jogos, séries, vídeos do YouTube, quadrinhos, e até mesmo publicações em plataformas extintas.

 

Chamados de “acumuladores digitais”, essa comunidade composta de usuários comuns e programadores investe dinheiro e tempo em soluções completas para preservação digital. Usando quartos inteiros repletos de discos rígidos de alta capacidade, esses usuários fazem cópias de todo tipo de conteúdo – muitas vezes de forma automática – distribuindo downloads pela rede. Além disso, programas especiais são criados para garantir o acesso ao conteúdo obsoleto, por exemplo, emuladores são capazes de executar jogos antigos mesmo sem os cartuchos, enquanto projetos buscam recriar todo o conteúdo em Adobe Flash utilizando protocolos modernos como o HTML 5.

 

Sites especializados como o Internet Archive armazenam de tudo, incluindo trailers de filmes antigos, webséries criadas por amadores, os primeiros vídeos do YouTube – e sim, cópias completas de redes sociais esquecidas como o Orkut e Yahoo Respostas. Em alguns casos, plataformas inteiras são recriadas e disponibilizadas, como o CP Rewritten que permite acesso ao Club Penguin – rede social para crianças criada pela Disney e desligada alguns anos atrás.

 

A comunidade de arquivo digital está cada vez maior, e é surpreendente a quantidade de informação sendo resgatada e disponibilizada pelo público. Por isso, muitos fazem o apelo a usuários comuns para que ajudem nesse processo: se encontrarem CDs e DVDs antigos, programas gratuitos podem ser utilizados para criar cópias digitais do conteúdo, revistas antigas podem ser escaneadas usando o celular, e computadores antigos que não foram atualizados podem conter versões específicas de programas e documentos que até então estavam em falta na internet. A nível pessoal, todos deveriam buscar realizar múltiplas cópias de seus filmes, fotos e vídeos, sempre lembrando que nada é garantido e permanente.

 

Também nos cabe, por fim, orientar e ajudar as novas gerações a manterem o registro de seu crescimento – enquanto antigamente nossas fotografias viviam em álbuns e desenhos a mão eram pendurados em paredes, onde estarão as fotos publicadas no Instagram e as criações do Minecraft das crianças atuais? Temos um dever histórico de buscar ferramentas para garantir que, daqui 50 anos, nossa mídia não seja considerada perdida.