No mundo filosófico um dos temas de grande relevância é a questão do ???embate??? entre o mundo dos sentidos e o mundo das ideias. Aristóteles, costumava escrever, que tudo o que existe na consciência já foi experimentado pelos sentidos. Platão argumentava que não existia nada na natureza que não tivesse sido criado no mundo das ideias. Americana parece que quer nos negar essa tese.
Para mim não faz sentido não debater ideias. A menos que nossa consciência seja oca e não tenhamos nada de ideia para discutir. A famosa tábula rasa. O que os semióticos definem como um ser com imagens na cabeça, mas sem raciocinar e sem expressar ideias. Não penso isso das pessoas. Sempre há algo, mesmo que não concordemos com os termos do que há de consciência em alguém, mas há algo na cabeça das pessoas. E na cabeça de um homem público é esperado que ouvíssemos o que tem dentro e qual mundo defende.
Não me parece razoável um professor universitário se ausentar da seção porque participou das votações e precisa entrar em seu segundo ???emprego???. Não me parece razoável julgar algum outro vereador, por falta de ética, por ele ter dito o que pensa, as vezes de maneira mais forte, as vezes até com palavreado não apropriado, as vezes querendo ser ouvido e puxando o microfone das mãos de outro vereador, mas definitivamente eles estavam ali, discordavam das ideias, e de uma forma ou de outra discutiam algum assunto de interesse da cidade. Acompanham toda a seção. Não faltaram com a grande ética que é servir ao público. E ainda tem o dever de expor suas ideias porque lhe é garantido, inclusive, a inviolabilidade do direito de pensar, expressar e discursar.
Não utilizam o tempo a não ser para procurar caminhos para melhorar a sociedade. Vereador que não tem tempo para discutir, debater, propor, discordar, está, no mínimo se eximindo de colocar seu posicionamento, sua visão de mundo, sua percepção de problemas e a possível resolução deste. Não participar de discussão de valores de outro ser humano, no caso outro vereador, sobre o objeto em questão, ou seja, a sociedade, é no mínimo não se preocupar com o que público acha do que ele fala ou deixa de falar. Nesse caso comete falta grave: que alguns chamam de falta de ética. No mínimo a quebra de decoro parlamentar por abuso de prerrogativas, no caso, a não obrigação de participação de toda a seção. E mais, em minha visão, os signos representam muito. Deixar uma seção pública para expor seus pensamentos a um grupo privado de alunos que o remuneram para isso. O privado é mais importante que o público.
E por ter a dizer a alunos, em privado, penso que nenhum ser humano é tabula rasa. O que creio é que alguns vereadores não se permitem participar das discussões porque pensam que a partida está decidida antes. Já sabem o resultado do jogo.
Isso é um erro grotesco. Antidemocrático. Porque cerceia e diminui a importância do debate das ideias. Interrompe o debate das ideias, mesmo que muitas vezes o que é discutido não acabe sendo os problemas mais urgentes de determinada sociedade. Calar o parlamento por outro emprego, por falta de ideia, por falta do que discutir, ou por qualquer coisa que seja é ir contra o princípio parlamentar de vencer a melhor proposta pelo argumento e pelo convencimento.
Há na teoria alemã algo que preste e não é a teoria do domínio do fato. ?? a teoria de Estado de Herman Heller, grosseiramente e primariamente, segundo essa teoria há três formas de administrar: o Primeiro é pela força: um determinado agrupamento político impõe sua visão pela força da estrutura administrativa; Segundo pela troca de favores materiais: Faça isso que te dou aquilo; e a terceira: o consenso: busca pela discussão, por embates dos contrários, um caminho consensual que pode ser o melhor para a sociedade. Muitas das grandes democracias renderam homenagens ao parlamento e buscaram consensos na diferença; parece que para alguns parlamentares de Americana esse tema não é importante.
Creio que Aristóteles e Platão abririam um novo capítulo para discutir consciência, sentido, natureza e ideias se conhecesse a atuação de alguns parlamentares em Americana. No mínimo discutiriam o conceito de ética.
O título é uma provocação ao pensamento sobre os conceitos de semiótica de Pierce. Primariedade é o conhecimento sem interiorizar a discussão e sem conhecimento básico para expressar o significado exato. ?? como as coisas nos parecem e não como realmente elas são. Primariedade é como os signos, que nada mais são do que todas as coisas dotadas de interpretação e significado, portanto quase tudo, isso não é obrigação das pessoas saberem, mas retomando, primariedade é forma primaria como as coisas nos apresentam, de forma inicial e cabe estudo e reflexão para a verdadeira absorção de seu significado. Porque senão houver esse estudo, a estética, a imagem, sem discussão, vai se sobrepondo sobre a ética, sempre.
Marco Russo
Presidente do PT Americana.