No dia 16 de julho ocorreu, de maneira inédita na Venezuela, uma consulta popular não oficial organizada pela oposição ao governo de Nicolás Maduro. A Mesa de Unidade Democrática (MUD), coalizão partidária que se coloca contra o chavismo, conclamou a população à desobediência civil, com base nos artigos 333 e 350 da Constituição de 1999, criada no primeiro ano de presidência de Hugo Chávez. O plebiscito teve lugar não só na Venezuela, como ainda em países com presença de cidadãos venezuelanos, como Estados Unidos, Espanha, França, Portugal, Colômbia, Argentina, Brasil, Chile, Moçambique, dentre outros. 
Foram três as perguntas dessa consulta: “Você rechaça e desconhece a realização de uma constituinte proposta por Nicolás Maduro sem a aprovação prévia do povo da Venezuela? Você exige que a Força Armada Nacional e que todo funcionário público obedeça e defenda a Constituição do ano de 1999 e respalde as decisões da Assembleia Nacional? Você aprova que se renovem os poderes públicos de acordo ao estabelecido na Constituição e a realização de eleições livres e transparentes, assim como a conformação de um governo de união nacional para restituir a ordem constitucional?”. As opções eram sim ou não, motivo pelo qual a oposição defendia o “Sim, sim, sim” como resposta.  A primeira pergunta faz referência à controversa Assembleia Nacional Constituinte, apresentada como a saída do governo para a crise política e institucional. Anunciada pelo presidente venezuelano no dia do trabalhador, em primeiro de maio de 2017, a reforma da carta magna chavista tem sido vista como uma forma de acabar com o principal legado do líder morto e de estrangulamento da oposição, uma vez que os deputados constituintes terão plenos poderes durante o processo de redação das mudanças. 
O segundo ponto abordado pelo plebiscito chama a atenção pelo fato de que em dezoito anos de chavismo essa Constituição foi frequentemente criticada pela mesma oposição que hoje diz respaldá-la e salvaguardá-la das ações abusivas de Maduro. A aparente contradição pode ser explicada, contudo, pelas últimas decisões da Justiça no país, que dispõe de seu poder judicial para anular a oposição ao governo, que desde o final de 2015 detém a maioria dos votos da Assembleia Nacional. 
Até mesmo a Procuradora-Geral da República, Luisa Ortega, que historicamente era alinhada ao chavismo, tem feito duras críticas a essas decisões judiciais. Seu esposo, o deputado do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), German Ferrer não só participou da consulta convocada pela oposição, como ainda se manifestou em suas redes sociais contra a Assembleia Nacional Constituinte proposta pelo presidente, a ser realizada em 30 de julho. O fato de ele ser do partido criado por Chávez demonstra que uma parcela importante do chavismo também está aderindo aos movimentos contrários às ações de Maduro. 
Embora seja um movimento interessante de organização dos grupos contrários ao governo, no sentido de buscar respaldo popular para suas reivindicações e, com isso, ter legitimidade para apresentá-las ante as instâncias jurídicas, essa ação pode aprofundar, ainda mais, o fosso que separa os principais polos políticos da Venezuela de um entendimento. Os números apurados até agora falam de até 8 milhões de votos no plebiscito da oposição, mas isso não garante que o governo o reconhecerá, uma vez que ocorreu à margem do órgão responsável pela organização de pleitos, o Conselho Nacional Eleitoral.
Ademais, esse movimento ousado da oposição pode ser um ingrediente a mais no acirramento dos ânimos. Na região de Cátia, em Caracas, uma senhora morreu e outras ficaram feridas em um ataque a tiros perpetrado, possivelmente, por algum grupo armado que apoia o governo. Se em 30 de julho as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte transcorrerem dentro da normalidade e os resultados forem positivos para o governo, a divisão social a e alta polarização que geram esse tipo de ataque fatal pode se tornar cada vez mais recorrente, uma vez que provavelmente a oposição tampouco reconhecerá a legitimidade da consulta. Ou seja, o risco de um conflito ainda mais violento do que os embates diários que tomam conta do país desde abril pode chegar a níveis alarmantes.  
Carolina Silva Pedroso, Mestre e Doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP), é especialista em Venezuela. Contato: c.silvapedroso@gmail.com