Uma equipe de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) inverteu a lógica do desenvolvimento de biomateriais para implantes metálicos e com isso promoveu uma nova tecnologia: um implante bioativo, capaz de desativar vírus e matar bactérias. O dispositivo é funcionalizado com um fino filme à base de cobre, com espessura 15 vezes menor do que um fio de cabelo. O revestimento é biocompatível e previne a contaminação do material por microorganismos causadores de infecções, como a osteomielite, que afeta os ossos, e a peri-implantite, no caso de próteses dentárias.
A proposta da fabricação de ligas metálicas biomédicas com adição de cobre e prata não é uma novidade nos meios acadêmicos, mas em vez de misturar o cobre de forma homogênea na liga, os pesquisadores propõem uma etapa de recobrimento para os implantes já em estágio avançados de fabricação. A vantagem dessa tecnologia é que não será necessário alterar a matéria-prima, que é normalmente utilizada na produção de implantes metálicos, o que torna a implementação no processo produtivo mais viável.
“Os implantes metálicos bactericidas e virucidas foram feitos com titânio e ligas comerciais, com isso, não é preciso modificar as linhas de produção da indústria. Basta a empresa que já fabrica o dispositivo incorporar a nova etapa no processo de fabricação já utilizado”, diz Éder Sócrates Najar Lopes, professor e pesquisador da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM Unicamp). O revestimento poderia ser incluído, por exemplo, em implantes permanentes, como os odontológicos, que usam parafusos de titânio para substituir a raiz de dentes, e os ortopédicos.
Modificações de superfície
O revestimento conhecido como biofuncionalização é feito por um processo de eletrodeposição com tratamento químico. A técnica permite beneficiar peças em diferentes geometrias, das mais simples às mais complexas. Para agregar o cobre na superfície dos implantes, os pesquisadores aplicaram um tratamento térmico. As peças com a cobertura metálica foram aquecidas para que as partículas da película protetora se integrassem ao titânio.
“Esse cobre que está na superfície começa um processo de difusão atômica, sendo transportado para dentro do titânio. Dessa forma, o revestimento passa a fazer parte do implante”, explica o pesquisador Luiz Antônio Côco. Isso evita que o implante sofra com a corrosão ao ser colocado em contato direto com os tecidos humanos.
Nos testes feitos em laboratório, simulando o ambiente de um organismo vivo, o biomaterial se mostrou promissor. Os implantes revestidos registraram um leve aumento de resistência à corrosão, quando comparados com as ligas sem tratamento, e não apresentaram alteração das propriedades mecânicas. Os resultados foram verificados durante o doutorado de Luiz e a tecnologia teve o pedido de patente depositado pela Inova Unicamp no INPI.
Os ensaios biológicos de biocompatibilidade com bactérias e vírus foram realizados pelas equipes dos professores Augusto Ducati Luchessi e Laís Pellizzer Gabriel, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA Unicamp), e Clarice Weis Arns, do Instituto de Biologia (IB Unicamp).
Controle do processo
O corpo humano tem uma tolerância alta ao cobre, mas em grandes concentrações esse metal pode matar as células saudáveis. O dispositivo intrauterino (DIU) aplicado como método contraceptivo é um exemplo do uso controlado do cobre para fins médicos. Introduzido no útero, o metal contido no aparato impede o encontro do espermatozóide com o óvulo.
No caso dos implantes bioativos revestidos, o objetivo é impedir que vírus e bactérias se depositem no metal. No processo desenvolvido pela Unicamp, os pesquisadores conseguiram controlar a quantidade de cobre que fica exposta na superfície do implante, de forma a reduzir possíveis efeitos colaterais e toxicidade às células humanas.
Os implantes de titânio são normalmente fixados em contato com o osso, um tecido com pouca circulação sanguínea. A baixa vascularização dificulta a chegada de remédios, como antibióticos, no caso de infecções. Nesses casos, o tratamento pode incluir a retirada do implante, com nova cirurgia. “Isso pode levar a perdas ósseas e abrir a possibilidades de novas infecções, mas se o paciente tem um implante com o revestimento bioativo você consegue reduzir esse risco”, comenta Luiz.
Atividade iônica
A incorporação do cobre promove uma liberação lenta de íons que garante os benefícios antibacterianos de ação prolongada. O revestimento impede o crescimento de microrganismos na superfície do implante e mantêm a atividade inibitória ou destrutiva antes, durante e depois das cirurgias, diminuindo assim a probabilidade da colonização por bactérias. As peças funcionalizadas também tiveram atividade virucida comprovada após seis horas. “Esse é um ótimo resultado, pois se equipara ao do cobre puro”, afirma Eder.
O próximo passo é testar os implantes bioativos em modelos animais e humanos. Empresas interessadas em explorar a tecnologia podem procurar a Agência de Inovação Inova Unicamp para negociações. “Estamos traçando um protocolo para ensaios in vivo”, diz o professor, que busca parceiros para o projeto. “Se tivermos uma empresa que invista nos testes, podemos acelerar o processo de validação, necessário para que a tecnologia chegue ao mercado”, completa.