Uma fala do vereador Rony Tavares (Republicanos) na sessão da Câmara de Santa Bárbara d’Oeste de terça-feira (22) está dando o que falar. Após tecer elogios aos secretários de Governo, Joel Cardoso, e de Saúde, Marcus Pensuti, o parlamentar acabou confidenciando uma prática que muitos dizem ser comum, mas políticos não costumam admitir publicamente: Rony disse que levou à dupla uma lista com cerca de 30 nomes que buscavam agendamento de exames de sangue e que, após a solicitação, as pessoas estão sendo chamadas.

Imediatamente após o discurso, alguns vereadores rebateram e alegaram que poderia se tratar de “tráfico de influência” caso as pessoas estivessem, de fato, ‘furando a fila’ dos exames por indicação de um vereador. Houve quem dissesse que o Ministério Público (MP) deve ser acionado e Tavares se explicar. A Comissão Permanente de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal vai se reunir para discutir um suposto favorecimento na saúde do município. Até a manhã desta quinta (24), o Poder Legislativo ainda não havia recebido qualquer notificação sobre o caso.

“Queria agradecer ao secretário de Governo Joel Cardoso, ao Giovane Bonfim, […] e também ao secretário de Saúde, Marcus Pensuti, por todos os exames de sangue que levamos na mão dele. As pessoas agora estão sendo chamadas. A gente fez aqui requerimento e quase 30 pessoas nos procuraram e levamos até o secretário. E as pessoas estão retornando dizendo que estão sendo chamadas”, contou Tavares. “Tem muitos exames de dengue pra fazer, mas a dengue não pode parar o Brasil”, disse, dando a entender que os pedidos encaminhados estariam sofrendo demora devido à epidemia da doença na região. “A gente levou na mão do secretário e agradece por isso. Pela atenção que nos deu. E se tiver mais, vamos levar”, acrescentou.

Abuso de poder e tráfico de influência

A vereadora Esther Moraes (PV) foi a mais enfática nas críticas. “Fico muito preocupada quando ouço agradecer a secretário e a funcionário da Prefeitura por atender pedidos específicos de exames de pacientes, de eleitores, que talvez procurem o vereador”, ponderou. “Pra mim isso é um claro abuso de poder. Tem até um crime, de tráfico de influência, que é usar do seu cargo pra influenciar e favorecer certas pessoas. Sendo que a gente tem dentro do SUS (Sistema Único de Saúde) uma fila estabelecida e um rol de pessoas a serem atendidas, emendou ela.

“O trabalho do vereador é justamente fiscalizar essa fila e acompanhar, pra garantir que todas as pessoas sejam atendidas com qualidade, dentro da prioridade que está estabelecida”, defendeu Esther. “Quando nos procuram com pedidos de exames, a gente passa essa demanda (à Prefeitura), mas jamais passar na frente de ninguém”, garante. Esther diz que a situação é preocupante. “Temos que tomar muito cuidado com o que se fala, enquanto pessoa pública e Câmara Municipal. Porque a gente é fiscalizado pelo Ministério Público”, completou.

Celso Ávila (Solidariedade) também criticou. “Eu acho que não iriam pegar uma ‘listinha’ de vereador e passar 30 pessoas na frente de uma fila muito grande na questão de exame de sangue”, explicou. “É furar fila. Isso realmente é tráfico de influência, não pode acontecer”, emendou. O ereador ainda defendeu servidores da Saúde. “Já aconteceu algo parecido no passado e o Ministério Público foi implacável. Além de furar uma fila do SUS, está comprometendo o trabalho de um secretário e pode vir o Ministério Público em cima. Prejudica a Administração”, frisa.

Equívoco na fala

Com a repercussão imediata, Rony Tavares se manifestou novamente e disse se tratar de um equívoco em sua fala. Ele explicou que não foi levada uma “lista”, mas sim que os nomes foram colocados em um “sistema”. Quando tentava se explicar, claramente ele foi cutucado por um colega do lado, do tipo ‘fica quieto’. Além de ser interrompido em seguida por Celso Ávila. “A gente entende, mas isso tem que explicar pro Ministério Público. Isso fere o que se preconiza”, frisou Ávila.

Tavares depois leu uma mensagem em plenário. “Na realidade, o vereador aqui se equivoca e fala por ter soado como ideia errada. Como estou acompanhando o andamento de exames de cerca de 30 pacientes. Eles reportaram que foram agendados e esse agradecimento que a gente faz é por ter tido andamento e não por ter passado à frente, nada disso. Não temos esse poder e jamais vamos ter”, disse na sessão. “Peço desculpas. A gente é novo e vai aprendendo”, finalizou.

Improbidade administrativa

O vereador Felipe Corá (PL) foi outro que bateu duro. “É lamentável, isso é gravíssimo”, opinou. Ele disse que o governo atende diferente os ‘amigos do rei’, dando a entender por vereadores da base aliada. “Só vai ter exame de sangue quem é amigo do vereador?”, indagou Corá. “Mostra que o nosso mandato de vereador está sendo jogado no lixo. O nosso ato de fiscalização não serve de nada. Que agora tem um tal ‘sistema’. Enquanto isso, o povo padece, o povo padece. Se não é amiguinho do vereador, morre na fila do SUS”, disparou. “Se comprovado, é um ato de improbidade administrativa. É crime. Não pode haver favorecimento”, reforçou.

Isac Motorista (Republicanos) também comentou. “É gravíssimo o que a gente ouviu. Que não seja verdade”, analisou. Ele apontou que pode ser “troca de mandato”, uma “manobra política” pra Tavares defender a administração na Câmara. “Tem pessoas há anos numa fila de exame. Alguns chegam na hora de fazer o exame e é remarcado pra meses depois. Será que esse vereador não está tirando a vaga dessa pessoa?”, questionou Isac. “É uma vergonha o que aconteceu nessa Casa. Uma coisa séria, porque está lidando com famílias e vidas”, concluiu.

E teve ainda a opinião de Arnaldo Alves (PRD). “Acredito que o vereador se equivocou na forma com que falou”, disse. Ele afirma que é preciso ‘averiguar’ e ‘investigar’ as falas. Lembrou ainda que o secretário de Saúde deve comparecer na Câmara antes do dia 5 de maio, oportunidade para os parlamentares o confrontarem a respeito do possível favorecimento dos pedidos de Tavares. “Se isso estiver acontecendo em Santa Bárbara d’Oeste é muito grave. Não pode passar despercebido”, completou.

Comissão de Ética

A reunião da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal de Santa Bárbara foi confirmada pelo vereador Cabo Dorigon (Podemos), presidente do grupo. Conforme explicou o parlamentar, ainda não há a definição de quando será esse encontro. Além de Dorigon, o colegiado que analisa a conduta dos membros do Poder Legislativo é composto pelos vereadores Alex Dantas (PL), Arnaldo Alves (PRD), Celso Ávila (Solidariedade) e Carlos Fontes (União).

O crime de tráfico de influência é quando se utiliza o cargo público para obter vantagens ou favorecer determinadas pessoas. Já a improbidade administrativa é o ato de beneficiar seletivamente uma parcela da população, em prejuízo ao princípio da impessoalidade. E abuso de poder se configura no uso da máquina pública para reforçar apoio político, comprometendo a equidade no serviço público. Algo perceptível a quem acompanha as sessões é que Rony Tavares começou o mandato acelerado e isso causou ciumeira em alguns vereadores.