“Uma belíssima prática a luta que colocou novamente o movimento dos estudantes na pauta das discussões políticas.Tempos de convivência, conversas sobre os rumos da universidade e do país, novas formas de organização, disputas e criações coletivas. Dias inesquecíveis!”
O comentário acima foi escrito por mim quando participei da ocupação da Reitoria da USP em 2007. Imaginava que aquele era o momento mais revolucionário do mundo. E para mim, até aquele momento, foi. O sentimento de protagonismo e participação de um momento histórico, essa coisa de “estamos fazendo a história”, essa sensação de pertencimento dá sentido a vida, anima o espírito. Foi um momento fundamental para minha opção pela militância política. Depois disso foram mais e mais passeatas, confrontos com a polícia, organização de movimentos, cacetadas e até o cúmulo da agressão e das ameaças que sofri no primeiro de janeiro do ano em que estamos.
Tudo por escolher um lado e uma luta.

Entendo perfeitamente o que sente essa geração (no encontro com outras) quando exalta, abusa, exagera seus feitos.
“Desculpe o transtorno, estamos mudando o mundo”; “O Brasil acordou”; “Saímos da Internet e ganhamos as ruas” são expressões que não resistem aos livros de História – não resistem sequer a uma noite na periferia de sampa, – mas são carregadas de significado para quem só saiu agora do Facebook e também só agora gozou da catarse coletiva que é uma manifestação.

?? justíssima a reivindicação contra o aumento da passagem. O MPL é um movimento sério, horizontal,  comprometido com pautas que vão muito além do transporte público. Também é salutar a participação de partidos da oposição de esquerda, combativos e ousados, ainda que pequenos. Não tenho acordo com as táticas e estratégias de PSTU, PSOL, PCO e outros, mas são partidos compostos por gente que acredita de fato, como eu, que é possível superar a sociedade capitalista e construir uma sociedade equânime e socialmente justa. 

Não há como não se comover com tanta gente na rua. ?? uma imagem linda! Mas não é apenas com comoção que nos valemos das armas da crítica. Por isso, há uma narrativa a ser disputada. E essa narrativa deve levar em conta o que aconteceu no Brasil nos últimos 10 anos.
Quem estava ou se lembra das manifestações dos 500 anos do Brasil, com brutal repressão policial, deve se arrepiar quando ouve o ex-presidente FHC elogiar as atuais manifestações. Do mesmo modo, nós que coletamos assinaturas contra a adesão do Brasil à ALCA e celebramos quando Lula inviabilizou essa iniciativa imperialista, não temos dúvida de que muito mudou de lá para cá. Não serei exaustivo com os números. Só cabe retomar que as 40 milhões de pessoas que ascenderam socialmente agora podem se organizar para participar de passeatas. Antes passavam fome. Cabe citar também que muitos desses jovens que estão nas ruas ingressaram na Universidade graças a expansão das Universidades Federais e ao Prouni. Nunca é demais relembrar o enfrentamento que a Prefeitura de São Paulo fez contra a máfia do transporte público ao criar o Bilhete ??nico, na gestão de Marta Suplicy, programa que é hoje referência para as prefeituras no Brasil.

Entre 2003 e 2010 o Governo Federal chamou a sociedade ao diálogo em 74 Conferências Nacionais, entre elas a de Mobilidade Urbana e das Cidades. Delas saíram Planos que indicam um caminho muito parecido com o que aponta agora as ruas: é urgente a revisão da ocupação e da mobilidade urbana nos grandes centros brasileiros. ?? preciso avançar para a Tarifa Zero!

Antes, há uma disputa de valores e sentido para se fazer com aqueles que recém-aderiram a essa forma de protesto. Primeiro, temos que enfrentar sem medos e tabus problemas graves como o extermínio da juventude negra, mortes de mulheres que abortam clandestinamente, preocupante onda homofóbica agora explicitamente dentro do Congresso Nacional e uma grande imprensa monopolizada, pouco representativa e golpista. Segundo, é preciso defender a legitimidade da associação em partidos políticos e estimular a disputa interna para que esses mudem a sua cultura política, reencantando a juventude e a sociedade brasileira com perspectivas de mudança.

Ninguém me tira que em 2007 ajudei a mudar o mundo ocupando a reitoria da USP. Ninguém tira de Chico-Gil-Caetano a Passeata dos Cem Mil – coisa de mauricinho-classe-média!? -, nem dos meus pais o heroísmo das Diretas Já. Ninguém, por falta de compreensão, tirará dos movimentos que estão nas ruas a sua auto-afirmação revolucionária. Porque a história e a democracia seguem em frente e o gigante ainda despertará muitas vezes como afirmação, tragédia e farsa.

10 anos depois, o Brasil que despertou com a eleição de Lula repete em muitas línguas a velha novidade: são dias inesquecíveis. Quem contará essa história?

Vinícius Ghizini, 26, é Secretário Municipal da Juventude do PT/Americana.