A polêmica sobre a necessidade ou não de urgentes reformas na Previdência Social, cuja “novela” se desenrola há meses, sem nenhum desfecho previsível, poderia terminar de uma maneira bastante simples: mediante um plebiscito em que os cidadãos brasileiro seriam chamados para decidir nas urnas se convém reformar as leis que aí estão (frutos de anteriores e inesgotáveis reformas) ou se é preciso mudar tudo, acabando com supostos privilégios e instituindo uma idade mínima cada vez maior, com mais tempo de contribuição (considerando a expectativa de vida!).
            Aos que objetarem que os custos para um repentino plebiscito seriam altos, poderíamos responder que os atuais custos da indecisão e da relutância de deputados e senadores em aprovar uma reforma claramente impopular são certamente mais altos do que a convocação de um plebiscito. Por que, então, ninguém sequer cogitou até agora a consulta popular?
            Evidentemente, não interessa ao atual governo consultar o povo brasileiro. O temor de uma resposta provavelmente negativa, contrária a qualquer mudança radical, tanto com relação à idade mínima como com relação ao estabelecimento de tetos salariais, é muito grande, sendo preferível tentar a famosa compra-venda de apoios na Câmara dos Deputados e no Senado, concedendo e negociando questões e privilégios que, aí sim, afetam diretamente a vida dos brasileiros, sobretudo dos que menos possuem.
            Onde está o caráter democrático desta reforma (e de outras que afetam diretamente a vida dos trabalhadores)? Naturalmente, os plebiscitos são convocados apenas quando o interesse da máquina política não existe ou quando há uma campanha midiática em andamento, quase sempre envolvendo questões que mexem diretamente com as “emoções” populares (como o da proibição ou não das armas), mas que não afetam diretamente a sobrevivência de governos ou facções políticas. Neste caso, prefere-se tomar uma decisão entre “compadres”.
            Trata-se, a meu ver, de mais uma fragilidade da democracia brasileira. Delega-se a um grupo de deputados e senadores, aliados ou não do governo no poder, a tarefa de acertar as contas por meio da enésima revisão dos critérios de aposentadoria, em meio a absurdas ameaças de não mais poder, num futuro próximo, honrar os compromissos de pagamento das já minguadas aposentadorias.
            Por que é tão difícil cortar absurdos privilégios de quem, sendo funcionário público, ganha mais do que o teto estabelecido pelo governo? Por que é tão difícil diminuir o absurdo número de vereadores, deputados e uma miríade de assessores que apenas sustentam a ineficiente máquina política dos municípios e estados?
            A resposta é uma só: toda reforma parte do princípio de que as mudanças devem ser feitas junto à parcela indefesa da população, isto é, aquela que pode no máximo recorrer ao expediente legítimo das greves e protestos públicos, não conseguindo paralisar o país a ponto de reverter um quadro já estabelecido pelos conluios entre políticos e lobistas. Em poucas palavras: quem decide o que é bom para o Brasil não é a vontade popular, mas um grupo de políticos que, embora legitimamente eleitos pelo povo, governam em causa própria, com raríssimas exceções.
            A reforma da Previdência, se aprovada, mesmo que seja apenas nos quesitos mínimos, longe do projeto inicial do governo Temer, não será a última, nem a definitiva, pois os problemas que dela derivam hão de continuar, não certamente devidos ao aumento da expectativa de vida do brasileiro, mas à crônica ineficiência na gestão dos recursos públicos e aos costumes arraigados de conluios espúrios e de compra e venda de votos e cargos na administração pública. Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.