da BBC.Brasil- Uma sequência de falas controversas, incorretas e até pejorativas marcou os últimos dias do presidente Jair Bolsonaro.
Pouco depois de sair vitorioso em uma das votações mais importantes do seu governo – a reforma da Previdência, aprovada no Congresso em 10/7 -, o presidente engatou em uma série de falas e críticas que tinham como alvos figuras bastante variadas: os jornalistas Miriam Leitão, da TV Globo, e Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil; a exigência de cursos em autoescola para a obtenção da carteira de motorista; os governadores “de paraíba”, termo pejorativo que o presidente usou para referir-se aos Estados do Nordeste.
O período intempestivo culminou na fala desta segunda-feira (29), quando Bolsonaro afirmou que “um dia” contará ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, como seu pai desapareceu na ditadura militar.
Bolsonaro age como Hugo Chávez e fere liberdade de imprensa, diz relator especial da OEAA desconhecida riqueza mineral da terra Wajãpi, palco de tensão entre indígenas e garimpeirosA declaração foi dada quando Bolsonaro reclamava sobre a atuação do órgão na investigação do caso de Adélio Bispo, autor do atentado do qual foi alvo no ano passado. “Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados [do Adélio]? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB?”, perguntou o presidente.
Sem que ninguém o questionasse, o presidente passou a atacar o presidente da OAB e o pai dele.
‘Se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele’Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira era funcionário público e militou na Ação Popular Marxista-Leninista (APML), movimento dissidente da Ação Popular, ambos contrários à ditadura militar.
Oliveira foi visto pela última vez em fevereiro de 1974, quando deixou a casa do irmão para encontrar o amigo Eduardo Collier Filho, que era alvo de um processo na Justiça Militar. Ao sair, avisou aos familiares que, se não voltasse até às 18h do mesmo dia, provavelmente teria sido preso. Fernando e Eduardo nunca mais foram vistos.
O presidente da OAB tinha pouco menos de dois anos quando o pai desapareceu. A Comissão Nacional da Verdade, órgão que atuou entre 2011 e 2014 para investigar casos de violações de direitos humanos, concluiu que Oliveira foi preso e morto por agentes do Estado brasileiro e permanecia desaparecido, sem que seus restos mortais tenham sido entregues à família.
Na manhã desta segunda-feira, no entanto, Bolsonaro disse saber informações de como Oliveira foi morto. “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto para ele”, disse Bolsonaro. “Não é minha versão. ?? que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro”, continuou.
Horas depois, em uma transmissão ao vivo em sua página no Facebook, o presidente disse que Oliveira foi morto pelo “grupo terrorista” Ação Popular do Rio de Janeiro, e não por militares. “Onde eu obtive essa informação? Com quem eu conversei na época, oras bolas”, disse. “Eles resolveram sumir com o pai do Santa Cruz”, disse.
Em nota, Felipe Santa Cruz tachou a declaração de Bolsonaro de “crueldade”.
“?? de se estranhar tal comportamento em um homem que se diz cristão. Lamentavelmente, temos um presidente que trata a perda de um pai como se fosse assunto corriqueiro ??? e debocha do assassinato de um jovem aos 26 anos”, escreveu.
Ao falar sobre o caso Adélio nesta segunda-feira, Bolsonaro criticou a OAB. Sem manifestações do presidente e do Ministério Público em Minas Gerais, a 3ª Vara Federal de Juiz de Fora anunciou o encerramento do caso em 16 de julho. Portanto, não cabem mais recursos à sentença proferida em 14 de junho, que considerou Adélio inimputável, ou seja, incapaz de responder por seus atos.