Quem nunca se emocionou com uma música, que despertou lembranças por trazer a marca de alguém ou de algum momento importante? Ela, assim como outras artes, tem o poder de intensificar emoções e ressignificar espaço e tempo. Em ambiente hospitalar, não é diferente. A música pode ser um instrumento de humanização do cuidado, o que contribui na recuperação dos pacientes.
A dentista Viviane Frossard Migliavacca Straub passou sete dias internada, no Hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR), para realizar duas cirurgias do aparelho digestivo. Mesmo sem relação nenhuma com a covid-19, por causa do isolamento imposto pela pandemia, ela passou todo esse período sem a possibilidade de receber visitas e longe do marido. Ela relembra que a música teve um papel fundamental nesse processo de recuperação e de manutenção da esperança na melhora. “A maior emoção que eu tive foi que, no momento da minha alta, entrou toda a equipe do hospital, acompanhada do meu esposo, cantando a nossa música. Mesmo em tempo de pandemia, de solidão e de isolamento social, a gente pode ter alegria. E isso vindo de um hospital é muito mais valoroso”.
Esse é um exemplo de experiência vivida pelo psicólogo dos hospitais Marcelino Champagnat e Universitário Cajuru, em Curitiba (PR), Sidnei Evangelista. Ao longo dos últimos sete anos ele coleciona vivências como essa que agora fazem parte de um livro. Com o título “Música em ambiente hospitalar e sua interface com a bioética”, Sidnei se baseia em pesquisas científicas e experiências próprias do dia a dia dos hospitais para apurar os benefícios que a música traz para os cuidados.
“A música possui uma função simbólica da arte que nos ajuda a encontrar ou dar sentido aos momentos que estamos vivenciando. Principalmente no momento de sofrimento. Ela proporciona o resgate da autoestima e da autonomia. Além disso, os encontros musicais causam uma diminuição dos efeitos negativos relacionados ao internamento, pois eles fazem esse resgate da identidade que muitas vezes se perde nos ambientes hospitalares”, explica. “O olhar de quem participa, vivencia e está no dia a dia faz toda a diferença”, complementa.
Ambientes acolhedores
Entre uma atividade e outra, as músicas chegaram nas unidades de internação, pronto-socorro, UTIs, sala de espera, centro cirúrgico e hemodiálise. Com base nesses encontros, o conteúdo do livro foi desenvolvido. “A partir dessas visitas, percebi de início que a música tinha boa receptividade na comunidade hospitalar. Paciente, familiar e profissionais da saúde demonstravam em algumas falas o bem que a música trazia”, conta. Sidinei diz que a publicação busca enfatizar que a música também leva ao autoconhecimento e à ressignificação do sofrimento vivido no ambiente na fase do momento hospitalar. Um dos principais objetivos, segundo ele, é tornar os hospitais, cada vez mais, espaços menos ameaçadores.
Sidnei também faz parte da equipe de pastoral e voluntariado do Hospital Universitário Cajuru e conta que as práticas de humanização fazem muita diferença para os pacientes do hospital que é 100% SUS e referência em traumas. O autor do livro afirma que, antes mesmo de enxergar a doença ou o acidente atendido, é preciso entender que ali estão pessoas que merecem essa aproximação. “Estamos diante de um ser humano, que é um ser biopsicossocial e espiritual. Um hospital vai além do tratamento físico”, afirma. E é nesse sentido que a música conta histórias, emociona e inspira. Ela traz alegria aos pacientes, mesmo nas situações mais difíceis.
“A música nos ajuda a encontrar afetos positivos e conforto espiritual que muitas vezes não cabem nas palavras. E por isso é que ela é fundamental no ambiente hospitalar”, defende Sidinei. O livro “Música em ambiente hospitalar e sua interface com a bioética” será lançado no dia 5 de agosto, no auditório do Hospital Universitário Cajuru. Em virtude dos cuidados no enfrentamento ao coronavírus, o lançamento poderá ser acompanhado de forma on-line, das 10h às 12h.