A 1ª Vara do Trabalho de Campinas condenou a empresa Robert Bosch Ltda. ao pagamento de indenizações que totalizam R$ 1.795.000,00, como forma de reparar os danos morais coletivos e individuais causados pelo conluio entre peritos judiciais e representantes da Bosch para fraudar laudos em reclamações trabalhistas no interior de São Paulo, além de ter determinado que o processo tramite sem sigilo. A ação é do Ministério Público do Trabalho (MPT).
A decisão que puniu a Bosch atende parcialmente aos pedidos do MPT.
O órgão ministerial pediu que a empresa fosse condenada ao pagamento de R$ 68 milhões pela fraude praticada no período de 4 anos, incluindo uma indenização coletiva e reparações individuais a 86 trabalhadores lesados pela prática.
O juízo decidiu reduzir a indenização por danos morais coletivos dos R$ 43 milhões pedidos pelo MPT para o valor de R$ 100 mil, e de R$ 300 mil de indenização para cada um dos 86 trabalhadores, valor inicialmente solicitado pelo MPT, para valores que variam de R$ 30 mil a R$ 15 mil para cada trabalhador prejudicado. Vinte e sete trabalhadores “cujos processos embasaram a denúncia do Ministério Público Federal na ação penal” receberão R$ 30 mil, e outros 59 reclamantes receberão R$ 15 mil.
O Judiciário também acolheu os pedidos do MPT para que o processo tramite sem segredo de justiça, com a finalidade de dar ciência inequívoca das irregularidades praticadas pela Bosch para todos os 86 trabalhadores lesados em suas reclamações trabalhistas. O sigilo foi derrubado a partir da decisão judicial.
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O MPT recorrerá da decisão, pleiteando o aumento do valor reparatório segundo a petição inicial. A ré também pode recorrer da decisão junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
Inquérito – O caso teve início em 2016, com a deflagração pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal da “Operação Hipócritas”, que cumpriu mandados de prisão e de busca e apreensão contra médicos peritos nomeados pelo Judiciário e assistentes técnicos das partes para atuarem em processos trabalhistas. Eles eram financiados pelas empresas que eram rés nos processos e contavam com a intermediação de advogados, ajustando o pagamento de propinas para a emissão de laudo pericial favorável à parte interessada.
Os investigados estão respondendo, de acordo com a participação de cada um, pelos crimes de associação criminosa, de corrupção passiva, de corrupção ativa e lavagem de dinheiro, com penas que variam de um a 12 anos de prisão para cada crime. Já houve condenações criminais em face de médicos peritos em cidades como Americana, Campinas e Sorocaba.
O MPT recebeu os autos da Operação Hipócritas e começou a investigar as empresas envolvidas, sendo uma delas a Robert Bosch Ltda, que foi alvo de delação premiada. Segundo as investigações, a multinacional alemã no Brasil contratou empresa especializada para prestar serviços de assistência técnica em perícias realizadas em reclamações trabalhistas.
A adesão da Bosch ao esquema de corrupção com os peritos judiciais ocorreu no início do ano de 2010, quando um representante do departamento jurídico da empresa se reuniu com o assistente técnico para discutir medidas para elevar os índices de sucesso da Bosch nas perícias realizadas nas ações trabalhistas. A partir daí, o assistente técnico passou a intermediar o contato com os peritos judiciais no esquema de corrupção, inclusive sendo responsável pelo pagamento das propinas para que fossem fraudados os laudos periciais.
Uma vez aceito ou solicitado pelo perito judicial o pagamento da vantagem indevida, o assistente técnico acionava a Bosch para disponibilizar os valores de propina. A consultoria emitia duas notas fiscais de serviços para a Bosch: uma destinada à remuneração dos serviços de assistência técnica efetivamente realizados, e outra com o valor da propina “embutido” no valor final.
“A articulação para pagamento de vantagens indevidas aos peritos judiciais realizada pela Bosch e seu assistente técnico ocorreu de forma tão organizada que foi firmado um aditamento ao contrato de prestação de serviços, que passou a prever o pagamento de honorários adicionais, utilizados para o pagamento da propina, sob a rubrica de “estudo bibliográfico complementar/levantamento técnico complementar”, com remuneração que poderia alcançar até R$ 3,5 mil por laudo. Assim, a Bosch realizou um aditamento no contrato de prestação de serviços do assistente técnico para “formalizar” o pagamento dos valores destinados aos peritos judiciais para fraudar os laudos”, apontaram os procuradores na ação civil pública.
Segundo as investigações, entre os anos de 2010 e 2014 houve o pagamento de valores “por fora” a 8 peritos judiciais em 86 reclamações trabalhistas ajuizadas contra a Bosch.
“Em 86 processos os trabalhadores prejudicados foram submetidos às decisões proferidas com base em laudos fraudados, decorrentes do esquema de corrupção promovido pela Bosch. Na denúncia elaborada pelo MPF foram detalhados 27 desses processos, com fartas provas da materialidade e autoria delitivas”, afirmam os procuradores.
Foram flagradas trocas de mensagens entre peritos judiciais e o assistente técnico contratado pela Bosch. Em uma delas, o assistente técnico da Robert Bosch enviou ao perito judicial a resposta à impugnação ao laudo pericial apresentada pelo reclamante que deveria ser elaborada pelo próprio perito nomeado pelo juízo. A resposta elaborada pelo assistente técnico foi apresentada no processo judicial como se ele, perito judicial, fosse o seu autor. Em outra mensagem de e-mail trocada com o assistente técnico, a perita judicial se refere ao pagamento da propina: “colocar em espécie para evitar rastro”.
“Com base nos laudos fraudados protocolizados nos mais de 80 processos, os trabalhadores perderam as causas apresentadas em juízo, sendo impossível para eles comprovar o nexo de causalidade entre o acidente ou doença ocupacional com o trabalho realizado no parque fabril da Bosch, geralmente relacionados a patologias osteomusculares, perda auditiva, dentre outras. Eles perderam indenizações, pensões vitalícias, adicionais de insalubridade, convênio médico e fisioterapêutico e estabilidade acidentária”, lamentam os procuradores.
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