O chuchu é normalmente tido como um alimento sem graça e que adquire o gosto do restante dos ingredientes que compõem a receita. Suponha, porém, que um restaurante diga que possui um prato que permite verificar todas as nuances do sabor desse vegetal. Você chega então ao restaurante e pergunta ao chef como é feito o famoso prato. O chef explica: “Eu refogo muito alho e cebola no azeite e depois acrescento 300 gramas de bacon e cinco linguiças em pedaços. Adiciono depois muito tomate, deixo reduzir e acrescento um chuchu pequeno em pedaços. No final eu coloco esse molho sobre um espaguete com muito queijo parmesão por cima”. Bem, se você acredita que esta receita fictícia possibilitará distinguir o sabor delicado do chuchu talvez você também possa acreditar que é possível visualizar o efeito da força de Coriolis em um daqueles experimentos realizados em regiões próximas à linha do Equador.
A força de Coriolis recebe este nome em homenagem ao matemático e engenheiro mecânico francês Gustave Coriolis que em 1835 escreveu sobre essa força no artigo “Sur les équations du mouvement relatif des systèmes de corps”. Esta força entra no rol das chamadas forças de inércia. A forças de inércia aparecem em referenciais que possuem alguma aceleração (tecnicamente os chamamos de referenciais não-inerciais), por exemplo: quando estamos sentados em um carro que freia bruscamente sentimos que o nosso corpo é lançado para a frente ou quando esse mesmo carro executa uma curva sentimos o nosso corpo ser empurrado para o lado. A força de Coriolis aparece quando temos um objeto em movimento em um sistema em rotação – um carrossel, por exemplo. Suponha que você esteja com uma bola de basquete na frente de um amigo em posições diametralmente opostas em um carrossel que gira com uma velocidade razoável. Ao jogar a bola diretamente para ele em linha reta será que ele conseguirá pegá-la? A resposta é que provavelmente não. A força de Coriolis, que forma um ângulo de 90 graus com a velocidade, fará com que a bola – para um observador girando junto com o carrossel – descreva uma curva e se desvie consideravelmente do seu amigo. A ação dessa força está muito bem ilustrada neste vídeo do MIT disponível no Youtube [1].
Existem muitas coisas boas no Youtube, mas também muita besteira. O planeta Terra está em rotação e, portanto, a força de Coriolis também aparece nos objetos em movimento na sua superfície. Essa força depende da velocidade angular de rotação da Terra (aproximadamente uma volta completa em 24 horas), da massa do objeto e da velocidade com que esse objeto se movimenta sobre a Terra. O efeito dessa força pode ser observado nos sentidos de rotação dos furacões: no hemisfério norte eles giram no sentido anti-horário e no sul no sentido horário. Esse efeito de rotação, porém, decorrente da ação da força de Coriolis – e que se manifesta em grandes massas de ar – não é possível de ser visualizado em uma experiência ao ar livre realizada em pequenas porções de água colocadas em uma bacia com um furo no meio [2]. Neste vídeo [2], um homem a poucos metros da linha do equador joga um pouco de água na bacia, espera alguns segundos e mostra que a água, ao descer pelo ralo, gira em sentidos opostos quando se muda de hemisférios (diga-se de passagem que, erroneamente, ele faz com que a água gire no sentido horário no hemisfério norte).
Em 1962, em um artigo publicado na prestigiosa revista científica Nature, Ascher Shapiro mostrou que para se observar a formação de um vórtice devido à força de Coriolis você precisa de uma quantidade considerável de água em um recipiente com simetria cilíndrica, fundo plano e horizontal e um ralo circular localizado no centro do recipiente. Mas não é só isso. Efeitos provenientes de correntes de ar sobre a superfície da água, variações de temperatura no recipiente (e consequente indução de correntes de convecção) e o tempo que a água leva para perder a rotação (o termo técnico é momento angular) remanescente que perdura após a colocação de água no recipiente são muito maiores do que a força de Coriolis. Em outras palavras, a força de Coriolis é o chuchu da receita do primeiro parágrafo: uma bacia com pouca água, em um ambiente aberto e com a espera de apenas alguns segundos após o despejo da água não permite, definitivamente, que a força de Coriolis seja isolada de maneira que o seu efeito possa ser visualizado, ou seja, a água entra no ralo no sentido horário ou anti-horário por qualquer outro motivo que com certeza é dominante sobre a força de Coriolis.
Vira e mexe esse assunto da força de Coriolis aparece quando algum amigo retorna de alguma viagem a uma região próxima à linha do equador. O fato desolador, porém, é que a despeito de toda a explicação científica e bem embasada que se dê algumas pessoas insistem em acreditar no truque barato realizado na bacia de água: “Ah, mas eu acho que dá para ver sim o efeito da força de Coriolis!”. A natureza e a ciência não estão nem um pouco preocupadas com a opinião ou a fé das pessoas. A crença somente faz com que as pessoas ignorem os fatos, ela não os modifica e tampouco provê a explicação para qualquer coisa. E por mais que se tenha fé não é definitivamente o gosto do chuchu que você está sentindo. A um Deus das Lacunas é atribuída a responsabilidade pelo que ainda não conhecemos [4].
[1] https://www.youtube.com/watch?v=dt_XJp77-mk (acessado em 05/05/2018)[2] https://www.youtube.com/watch?v=Pb69HENUZs8 (acessado em 05/05/2018)[3] Bath-Tub Vortex, Ascher H. Shapiro, Nature 196, 1080 (1962).[4] Carl Sagan em “O Mundo Assombrado pelos Demônios – A ciência vista como uma vela no escuro”, Companhia das Letras (1998).
Marcelo Takeshi Yamashita é Diretor do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp. Contato: yamashita@ift.unesp.br