Nesse ano, em dezembro de 2018, completaremos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Também comemoramos nesse mês de outubro 30 anos da nossa Constituição de 1988, a Constituição Cidadã, pois evoca a defesa da democracia e dos direitos humanos. E no título, pontuamos uma provocação. Quais as consequências para esses direitos num cenário de polaridades?
Primeiramente, os antecedentes. Na Antiguidade, Ciro, o Grande, libertou os escravos em seu império na Pérsia, considerando a noção de igualdade. Jesus Cristo na Judeia defendeu as prostitutas, os pobres e os menos favorecidos, contrapondo-se às injustiças. Na Idade Média, se instituiu o parlamento na Inglaterra, questionando e dissolvendo a centralidade de poder. Ao final da Idade Moderna, ante a monarquia, a aristocracia e a Igreja, a Revolução Francesa trouxe os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade pela república democrática. Assim, podemos observar que historicamente os Direitos Humanos sempre estiveram em disputa, mesmo que não nomeássemos assim.
Embora sempre em voga, eles nunca foram de todos. Os países nórdicos continuaram a explorar suas colônias, os regimes autoritários seguiram negando as liberdades individuais e pessoas continuaram sendo violentadas, a exemplo o genocídio indígena nas Américas e a escravidão no mundo. Contudo, dois fatos históricos da II Guerra Mundial foram determinantes na busca da universalização dos Direitos Humanos: o holocausto, assassinato em massa de seis milhões de judeus, metade da população judaica no planeta à época; e os bombardeios atômicos em Hiroshima e Nagasaki, os quais além de matar milhares de pessoas instantaneamente, trouxeram grandes consequências posteriores inestimáveis por conta da radiação.
Ambos os fatos deram a noção de nossa capacidade destrutiva e da condição que temos de extinguir a humanidade do planeta terra.
Nesse sentido, nasce em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Sua finalidade, com base contratualista, é assegurar os atributos da dignidade da pessoa humana, sua vida e liberdade; seus direitos civis, políticos e econômicos; bem como a salvaguarda da paz.
Prevê a autodeterminação dos povos e a democracia, ou seja, a soberania popular. Considera os Direitos Humanos processuais, históricos e passíveis de aperfeiçoamento, sendo geridos por meio de sistemas internacionais, regionais, nacionais e locais. Como exemplo, temos a Organização das Nações Unidas, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Ministério dos Direitos Humanos e as secretarias estaduais e municipais de direitos humanos e cidadania.
No Brasil, a Constituição Cidadã, de 1988, foi elaborada no processo de redemocratização do país, após duas décadas de regime militar, anos de censura, torturas e violações de direitos. Nasceu, portanto, do anseio em afirmar o Estado de Direito, a salvaguarda das liberdades individuais e da paz. Posto isso, quais as consequências para esses direitos num cenário de polaridades na atualidade? A meu ver, a polaridade se dá em duas dimensões, a primeira delas, material, em que antagonistas se contrapõe em cena. Foi assim na formação dos impérios, na condenação de Jesus Cristo, na Guerra Fria, nos regimes totalitários, nas revoluções liberais, socialistas, burguesas, de trabalhadores e nos movimentos ambientalistas e das minorias políticas.
O reconhecimento de antagonistas é uma dimensão da consciência política e da participação. Segundo, a polarização é também uma estratégia discursiva, cognitiva e ideológica de condução das massas. Nesse caso, pode compactar a complexidade social, estrutural e política num quadro interpretativo limitado, até maniqueísta, conduzido muitas vezes pelas emoções. O que quero dizer com isso?
Embora a materialidade da vida, as lutas e as resistências nos coloquem em posições antagônicas, relevantes para consciência politica e participação, é preciso dar atenção quando isso se torna uma força compreensiva limitante, paralisante e destrutiva. O problema é quando a polarização, embalada pelo contágio emocional, corrói as bases dos direitos humanos, como a democracia, a salvaguarda da paz e dos atributos da pessoa humana.
Eis aí o nó que está nos enforcando na atualidade. Influenciados por mais que uma polarização material, sobretudo e massivamente por uma polarização discursiva, limitamos a leitura da realidade e desacreditamos na capacidade de mudança, nas instituições, na ética e, por fim, em nós mesmos. Deste modo, a polarização discursiva em alguns casos se torna uma força paralisante e destrutiva. Como disse Jurandir Freire Costa, em ???A ética democrática: o lado privado da violência pública???, a forma suicida com que nos deixamos invadir pela violência, sem fazer nada, é talvez um sinal desse desejo latente de destruir o que não temos coragem de transformar (Jurandir F. Costa, 1997, p. 82). Essa polarização discursiva e reducionista da complexidade, potencializada por uma série de problemas econômicos, políticos e sociais, além de ser uma força paralisante e destrutiva para o exercício da cidadania, fez emergir um extremismo de direita que representa uma ameaça à Declaração Universal dos Direitos Humanos e à Constituição de 1988.
Deu visibilidade a uma figura pública fantasiosa, munida de ódio, mentiras e parte do fisiologismo político, que desde o Brasil Colônia acirram as desigualdades do nosso país. Jair Messias Bolsoraro não é apenas um político que há 27 anos está no poder numa carreira medíocre, com apenas dois projetos de lei aprovados. Ele congrega consigo todo espectro do fascismo: a desconstrução moral de minorias políticas (mulheres, indígenas, negros e LGBT); o incentivo à violência dissimulada e a congregação das forças mais arbitrárias e perversas que imperam no país, os mercados da fé, do agronegócio e da bala.
Mediante a destruição das bases dos Direitos Humanos e os casos de violência que assistimos nesse cenário, precisamos nos abrir ao diálogo e posicionarmo-nos em defesa dos direitos humanos. Não podemos admitir o caos, tendo alguns caminhos possíveis para enfrentá-lo, entre eles, a) preservarmo-nos, sem qualquer garantia de que não seremos afetados por toda conjuntura social; b) acreditarmos nas instituições (partidos, poderes instituídos, leis, acordos internacionais etc.), reivindicando-as como sociedade civil e participando da vida pública e c) projetarmos no outro a mudança que queremos, contando com a sorte que ele faça o que almejamos.
As consequências já nos parecem claras, o que nos resta é o posicionamento, que a meu ver, a segunda opção parece a mais digna e segura para defesa desses direitos. Nesse momento, Haddad é a alternativa contra o extremismo de direita e o militarismo teocrático ultraliberal. Haddad representa a democracia e a salvaguarda das instituições.
Para saber mais: ?? #FAKE que livro citado por Bolsonaro no JN é o que aparece com carimbo de escola de Maceió (G1)
Mineradoras, agronegócio, armas e ‘indústria da fé’ bancam Bolsonaro (Rede Brasil Atual)
Bolsonaro ensina criança imitar arma com a mão (O Globo)
Ao explicar R$ 200 mil da JBS, Bolsonaro admite que PP recebeu propina: ???qual partido não recebe???? (Jovem Pam)
Quem financia e quanto custa a campanha de Bolsonaro no WhatsApp?
Fábio Ortolano | Professor no SENAC São Paulo e doutorando em Psicologia Social pela USP.