A lei federal 11.340/06 está completando 15 anos. Sancionada em 7 de agosto de 2006 pelo presidente Lula, a  Lei Maria da Penha, como é mais conhecida, foi um marco no combate à violência contra a mulher e figura como eixo estrutural do arcabouço jurídico brasileiro no processo de libertação de mulheres vítimas de violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Apesar do avanço civilizatório conquistado em uma década e meia, a violência doméstica segue naturalizada nos lares brasileiros, sendo a principal causa de feminicídio no país.

De acordo com as secretarias de Segurança Pública dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal, 1.338 mulheres foram assassinadas no ano passado simplesmente por sua condição de gênero. A maior parte dos crimes foi praticada por companheiros, ex-maridos ou pretensos companheiros. Assim, seguimos no quinto lugar do ranking mundial de feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos.

Precisamos celebrar as vidas salvas pela Lei Maria da Penha e a mudança de comportamento provocada por ela. Graças à luta da cearense Maria da Penha Maia Fernandes, agredida e baleada por seu agressor, muitas mulheres têm hoje coragem de dizer basta, procurar a polícia e denunciar seus agressores.

Em 2020, os canais Disque 100 e Ligue 180 receberam mais de 105 mil denúncias de violência contra mulher, o que representa um registro a cada cinco minutos. Na região de Campinas, o número de medidas protetivas – ordens judiciais que proíbem condutas de agressores, como aproximação e contato, além de oferecer auxílio, acompanhamento e proteção às vítimas – cresceu, em média, 65% entre janeiro e maio deste ano, na comparação com igual período do ano passado. A pandemia e o isolamento social são apontados pelo Poder Judiciário como as principais causas desse aumento.

No mês passado, o Brasil assistiu, perplexo, às agressões praticadas por Iverson de Souza Araújo, o DJ Ivis, contra a ex-mulher, Pamella Holanda. As imagens, gravadas por câmeras de segurança, mostram o músico dando socos, chutes e puxões de cabelo na arquiteta, diante da mãe dela, da filha de 9 meses e de um funcionário. O DJ está preso.

As cenas compartilhadas por Pamella em uma rede social revelam como a violência acontece em milhares de lares do Brasil; como se fosse algo comum, natural e corriqueiro. Nem a mãe dela reage às agressões. Talvez pelo fato de já ter testemunhado episódios semelhantes várias vezes. É contra essa naturalização que temos de lutar. Precisamos encorajar as Pamellas do nosso país a denunciarem, a romperem o silêncio.

Na presidência da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, na Câmara dos Deputados, e à frente da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos Humanos das Mulheres, no âmbito do Congresso Nacional, apresentamos projetos em defesa das mulheres vítimas de violência – que aprimoraram a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio (13.104/2015) – e promovemos longos debates sobre o papel da mulher nesse processo.

Como consequência desse trabalho, vale destacar a disseminação da Procuradoria Especial da Mulher nas câmaras municipais e sua importância como instrumento de aperfeiçoamento das políticas voltadas para os direitos humanos das mulheres e fortalecimento do enfrentamento à violência motivada por questões de gênero.

Sabemos que, mais importante do que a aprovação de leis punitivas, precisamos atacar a raiz do problema, que é a cultura machista impregnada na nossa sociedade. E só conseguiremos suplantar esse comportamento por meio da educação. Precisamos levar a Lei Maria da Penha para todas as salas de aula do nosso país. É a partir das crianças e dos jovens que vamos conseguir mudar esse triste cenário.

Em Paulínia, município da RMC (Região Metropolitana de Campinas), a mudança está começando. Um projeto de lei que tramita na Câmara de Vereadores prevê a inclusão da Lei Maria da Penha no currículo das escolas municipais, com objetivo de conscientizar toda a comunidade escolar sobre a importância de prevenir e combater a violência contra a mulher. É a escola assumindo seu papel na desconstrução do machismo e da violência.

Exemplos como esse de Paulínia aumentam nossa esperança de, um dia, não precisarmos mais entrar em farmácias e supermercados envergonhadas, com um X vermelho na palma da mão, o corpo dolorido e a alma marcada pela violência.

Ana Perugini é bacharel em Direito, funcionária licenciada do TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), deputada estadual entre 2007 e 2014 e federal de 2015 a 2019