Na tarde desta quarta-feira (6/12/2017), o presidente americano Donald Trump declarou que os Estados Unidos passariam a reconhecer oficialmente a cidade de Jerusalém como a capital do Estado de Israel, gerando reações de espanto e choque nas mídias sociais e nos grandes veículos de comunicação internacionais. No entanto, o anúncio de Trump, embora represente uma medida que possa trazer consequências catastróficas para a região, não se trata de nenhuma novidade no que se refere à política conduzida pelos EUA nas últimas décadas.
Surpreendente de fato foi, logo após sua fala, a declaração de Mahmoud Abbas, de que, com a medida, os Estados Unidos perderiam seu posto como mediador honesto e crível no processo de paz entre israelenses e palestinos e arruinariam definitivamente a possibilidade da resolução do conflito nos moldes da chamada solução dois-Estados. A surpresa vem do fato de que o presidente da Autoridade Nacional Palestina ainda afirme que, em algum momento, os americanos tenham possuído credibilidade como patrocinador das conversas de paz. A transferência da embaixada dos EUA de Tel-Aviv para Jerusalém foi aprovada como lei pelo Congresso americano sob o governo de Bill Clinton em 1995, no auge das negociações conduzidas entre Yasser Arafat e Yitzhak Rabin durante o chamado processo de paz de Oslo.
Naquele momento, os EUA reafirmaram o direito de ambos os lados a sua autodeterminação e se comprometeram a intermediar o processo até que se chegasse a uma solução justa e definitiva para o conflito. Os acordos assinados, no entanto, sequer fizeram menção à criação de um Estado palestino e propuseram que a complexa questão do status de Jerusalém fosse adiada para negociações posteriores, que, na prática, nunca aconteceram. Estabelecer uma embaixada em Jerusalém enquanto ocupada militarmente por Israel, portanto, significa reconhecer exclusivamente seus direitos e admitir sua total soberania em detrimento das reivindicações históricas do povo palestino sobre o lado oriental da cidade.
De acordo com o que foi proposto no Plano de Partilha formulado pela ONU em 1947, Jerusalém deveria permanecer como corpus separatus, um território sob administração internacional, devido a sua importância religiosa e histórica e ao fato de que tanto árabes como judeus a reivindicavam como capital de seus Estados próprios, ainda a ser criados. Décadas após o fracasso da partilha e a ocupação territorial de Gaza, da Cisjordânia e de Jerusalém pelas forças de Israel, propor conduzir um processo de paz bilateral numa situação de violação da lei internacional por parte de um dos lados já foi indicativo de que a equidade e a imparcialidade nunca foram valores com os quais se preocuparam de fato os sucessivos governos de Washington.
Em 2012, os EUA votaram contra a entrada da Palestina como Estado não-membro na Assembleia Geral da ONU (Israel é um Estado membro desde 1949), e optaram por cortar o financiamento da UNESCO, o que representava 22% de seu orçamento total, assim que esse órgão admitiu a adesão dos palestinos. Isso foi feito com base em uma outra lei do Congresso, também da década de 1990, que proibiu o repasse de verbas para agências que elevassem o status da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), ainda que as negociações de paz com essa mesma organização estivessem em pleno andamento naquele período.
Diante desse histórico, o anúncio de Donald Trump se trata apenas da confirmação de uma política de Estado recorrente e de uma realidade já constatada pelos palestinos há muitos anos. Nas ruas de Jerusalém, o que será diferente? Anexada em sua totalidade pelos israelenses em 1967, após a Guerra dos Seis Dias, a cidade é lar de cerca de 330 mil palestinos que dependem da renovação periódica de uma permissão de residência especial pelas autoridades israelenses para manterem seu direito de viver lá. Encontram-se numa situação única, sem pertencer plenamente a nenhum lado da barreira que divide Jerusalém Oriental do resto da Cisjordânia, pois não possuem cidadania israelense ou palestina.
A transferência da embaixada americana para a cidade não a tornará a capital de Israel. Isso, pois, diante da passividade dos supostos mediadores de paz e da comunidade internacional frente à expansão territorial israelense sobre os territórios palestinos ocupados e a política de gradual expulsão dos cidadãos árabes de Jerusalém a fim de torná-la uma cidade exclusivamente judaica, ela já o é há cerca de cinquenta anos.
Luciana Saab é mestre do Programa San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC – SP). Contato: lcn.saab@gmail.com