No Dia Internacional da Mulher, anteontem, uma adolescente de 14 anos foi brutalmente assassinada por três colegas, todas moças, em uma sala de aula de uma escola pública gaúcha. Certamente não foi a primeira vez no Brasil ou no resto do mundo. O que choca, porém, é a idade das meninas, a brutalidade (morte por estrangulamento) e o fato de ter ocorrido bem no dia 8 de março, consagrado às mulheres.

Que a morte dessa menina, independentemente das circunstâncias em que ocorreu, sirva para refletir sobre o embrutecimento a que foram submetidas as mulheres, sobretudo a partir dos tresloucados anos 60 e 70, após conquistas que, dependendo do país, variaram de direito ao voto, direito ao mercado de trabalho, de aborto e de divórcio.
Não há dúvida de que tais conquistas não só eram necessárias como também imperiosas, varrendo do mapa, ao menos parcialmente, preconceitos injustificáveis ligados à suposta “fraqueza” do sexo feminino. No entanto, toda ou quase toda conquista inevitavelmente traz consigo sequelas que decorrem da abrupta adaptação de quem conquista, de modo inesperado e muito rapidamente, uma liberdade há muito sonhada.
Que me perdoem eventuais despropósitos, mas o que se seguiu à libertação dos escravos no final do século XIX, no Brasil, ou o choque experimentado por sociedades arcaicas e agrárias de repente sujeitas a uma industrialização veloz e indiscriminada, pode ser comparado à libertação de muitas mulheres (quase sempre ocidentais e da classe média dos centros urbanos) de antigas amarras e impedimentos que as levavam a uma condição de eternas subalternas na sociedade.
Ao se tornarem abruptamente protagonistas da sociedade, tanto no mundo da política como no do trabalho, as mulheres passaram a lidar com um mundo masculino frequentemente associado à força bruta ou à energia sem limites, feito de concorrências muitas vezes desleais, fundado na capacidade de superar o outro a todo o custo. A sensibilidade feminina e a notória convivência íntima das mulheres com as forças naturais foram, assim, submetidas a novos desafios, com resultados muitas vezes surpreendentes, em que muitas se mostraram superiores aos homens até mesmo no comando de governos e de indústrias.
O outro lado da moeda dessa notável conquista feminina é o embrutecimento: no afã de se igualar ao homem, muitas vezes a mulher o imita nos aspectos ligados à força física e à violência gratuita, a que se pratica não em defesa própria, ligada ao instinto de sobrevivência, e sim por necessidade de se afirmar como líder de um grupo ou de uma comunidade cujas regras de conduta pautam-se não por diálogo e debates, mas por imposição pela brutalidade.
O que aconteceu nessa escola do Rio Grande do Sul constitui certamente um sinal de alerta para que educadores, pais e políticos lembrem aos seus filhos e aos cidadãos que a conquista de igualdade não deve significar incitação ao revanchismo ou à vingança contra antigos opressores. Quando ex-escravos, uma vez libertos, procuram tão somente descarregar o ódio acumulado após séculos de opressão e desmandos, deixando de buscar uma integração harmoniosa para se dedicarem tão somente a uma perigosa e cruel “caça” aos antigos opressores, a sociedade como um todo acaba refletindo o ódio acumulado e as tensões brotam naturalmente. Do mesmo modo, quando ao invés de buscarem o próprio espaço na sociedade, as mulheres se deixam levar pela imitação dos gestos dos seus antigos algozes, não sobra espaço para a convivência tolerante e pacífica entre as diferenças, sejam elas de gênero, etnia ou opção sexual.
Espero, enfim, mais do que a punição pura e simples das meninas agressoras, que as cenas horríveis presenciadas pelos professores, funcionários e demais colegas de classe dessa escola gaúcha não caiam na indiferença e no esquecimento. Os horrores perpetrados por ideologias “ferozes” ou por cruéis bandidos, tão propalados pela mídia, não me chocam tanto quanto a violência praticada por esses jovens, por serem adolescentes e, sobretudo, por serem mulheres.