O título já enuncia o paradoxo. O regime exige a figura de um líder, um “l’homme fatal”, o aventureiro corso que veio do nada, sem projetos, para dominar por dominar. Daí sua admiração histórica, até pelos inimigos. Na marra, tornou a insalubre Paris a semente da cidade entre as mais belas do mundo. “Ele é admirado precisamente por essa razão, por ser o ponto culminante de força de vontade elevada a seu nível mais alto – da possibilidade de impor a sua vontade aos outros, como um fim em si mesmo.” (Isaiah Berlim).
Seu potencial íntimo conquistou o mundo exterior e mandou a corte portuguesa para a Bahia e o Rio de Janeiro.
O lulopetismo, ao voar num avião incapaz de superar uma turbulência ética fatal, indiretamente lançou um paraquedas com o vice-presidente eleito na barra de suas saias.
Presidente do grande partido de sustentação, o PMDB, teria tudo para mudar este país. De maneira radical, pois não há outra. ?? necessário, porém, algo mais, que não depende da política, mas da natureza dos homens. Há poucos homens dotados de uma luz interior e poderosa, que construíram a história. Se necessário, entregam sua via ao auto sacrifício, seja correto ou não seu ideal. ?? evidência, Temer não é um deles. O discurso monocórdico sobre a reforma da previdência demonstra sua mediocridade. Seu Ministro da Fazenda chega ao ponto de apontar a previdência como causa única de nosso estado deplorável.
Trocou vários ministros, modificou vários planos anunciados, alterou pronunciamentos e arrependeu-se. ?? a inanidade em pessoa. Dirão que não somos patriotas, porque não temos outros, somos obrigados a caçar com gato. Diz que sim, mas não lidera politicamente as forças parlamentares, que poderão defenestrá-lo a qualquer momento. E engoliremos alguém indicado por esse admirável Congresso.
Não há a mencionada “força de vontade” diretamente voltada aos objetivos nacionais necessários. Gilmar Mendes, Ministro de um poder não eleito e que não pode transformar o País, parece querer auxiliá-lo emitindo duas “decisões monocráticas”, que inviabilizam os Sindicatos, isto é, com bravura, levanta de madrugada com seu archote para matar de vez o lobo que ataca nossos semoventes: o “peleguismo sindical”. Uma visão completamente enviesada do tema. E a sensibilidade do assunto – relações entre o capital e o trabalho – induz a responsabilidade direta do Presidente da República, não decisões “virtuais” de uma Corte Judiciária e de um único Ministro.
Em nenhuma conduta se vê em Temer a força interior, do eu-profundo, do talento nato para conduzir, indispensável mesmo nas democracias. Pior, não há heróis futuros. Sem eles, nada feito. Afastando seu próprio culto da personalidade, o PT impediu que eles fossem criados. As instituições funcionariam por si mesmas, é a liberdade das democracias. Está visto que não. Aí o Supremo interfere, como se em algum lugar do mundo tivesse saído vencedor um governo de juízes. Em suma, como no dito popular, estamos num mato sem cachorro. Salvo se percebêssemos a necessidade do parlamentarismo não emergencial, mas sadio, que funciona na maior parte das democracias ocidentais.
Amadeu Roberto Garrido de Paula, é Advogado, um renomado jurista brasileiro com uma visão bastante crítica sobre política, assunto internacionais, temas da atualidade em geral.