* Dimas Ramalho
A Lei de Responsabilidade Fiscal, a LRF, é, sem dúvida, uma lei pedagógica. Extrai-se de seu corpo normativo um objetivo estruturante que exige dos gestores públicos uma ação planejada, transparente, capaz de prevenir riscos e voltada ao equilíbrio entre receitas e despesas.
Assim, embora esse diploma legal contemple dispositivos sancionatórios, o núcleo central da LRF compõe-se de preceitos prudenciais e preventivos que impõe deveres acautelatórios relativos à observância de metas e resultados e à obrigação de reconduzir as contas públicas aos patamares limítrofes fixados na legislação.
Por sua vez, os órgãos de controle, notadamente os Tribunais de Contas, são chamados à vigilância permanente, cabendo-lhes alertar e advertir os responsáveis ante mera possibilidade de riscos fiscais.
Com base nessa missão, nos termos do art. 59, § 1º, da LRF, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo expediu, recentemente, o Comunicado GP nº 24/2022 no qual alertou as Câmaras Municipais e as Prefeituras do Estado de São Paulo sobre o possível comprometimento da gestão financeira e orçamentária.
Pelos levantamentos realizados, analisando os dados do primeiro bimestre de 2022, 85% dos municípios sob a jurisdição da Corte de Contas paulista apresentaram distorções que podem, no futuro, afetar o equilíbrio nas contas públicas.
Detalhando os números, constata-se que a arrecadação de 99 municípios ficou abaixo da meta bimestral fixada, bem como 79,81% das Prefeituras fiscalizadas pelo Tribunal não alcançaram, no período, o resultado primário estabelecido nas respectivas Leis de Diretrizes Orçamentárias, as LDOs.
Nesses casos, afastando a hipótese de erros técnicos na estimativa de receitas, a LRF impõe que os Poderes devem adotar, compulsoriamente, estratégias de contingenciamento de gastos no intuito de assegurar a consecução das metas fiscais.
Acentuo a importância de manter a realização de receitas dentro da previsão consignada na LDO, pois o êxito no cumprimento das metas de arrecadação e de resultado primário é um dos pilares da responsabilidade fiscal, sem o qual não é possível conceder benefícios tributários, criar, expandir ou aperfeiçoar a ação governamental, muito menos majorar despesas de caráter continuado e implementar políticas públicas.
Um outro vetor de risco apurado pelo Tribunal de Contas – e que constou dos alertas – refere-se à probabilidade de transgressão do limite de despesa com pessoal. Segundo a LRF, a despesa laboral nos municípios não pode exceder a 60% da receita corrente líquida, devendo o Tribunal de Contas expedir o alerta quando o gasto total com pessoal chegar a 90% do limite. Nessa situação estão apenas 3,72% dos municípios paulistas.
Apesar de ser um número reduzido, esse dado é relevante, pois o percentual limite é calculado com base na receita corrente líquida, de modo que a baixa performance na arrecadação pode ter consequências diretas na definição do montante máximo destinado à despesa com pessoal.
Os efeitos da inobservância desse teto de gastos são particularmente graves, o que inclui a proibição de contratar operações de crédito e o não recebimento de transferências voluntárias.
Observo que muitos municípios constroem suas políticas sociais e assistenciais com o lastro financeiro de repasses voluntários encaminhados pela União e pelos Estados. Portanto, obstar o recebimento de tais recursos traria considerável prejuízo às populações locais.
Mas ressalvo que todo o quadro revelado pelos alertas da Corte de Contas paulista traduz um prognóstico momentâneo, uma vez que o curso da execução orçamentária poderá reverter, positivamente, o cenário que agora se apresenta.
Todavia, é preciso cautela. O horizonte futuro parece pouco favorável.
Sem entrar no mérito das discussões sobre desonerações e isenções tributárias incidentes sobre as operações com combustíveis, verifico que a União pretende abrir mão de impostos e contribuições cuja arrecadação deveria ser partilhada, por mandamento constitucional, com os entes subnacionais.
Nessa perspectiva, ainda que o Governo Central tenha proposto compensar os Estados e Municípios em razão das perdas de receita, é recomendável que os gestores se orientem com maior precaução, reforçando as medidas de planejamento em vista de cenários adversos que se avizinham.
Um bom caminho a ser seguido está na própria LRF que traz solução ajustada para momento. Constatado o risco de descumprimento das metas de resultado fiscal impende, com urgência, a redefinição das despesas prioritárias, bem como a intensificação da cobrança dos haveres públicos, através de programas criativos e eficazes para evitar fraudes tributárias.
Por fim, quanto ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, reforço que este ente de controle externo, dentro de suas atribuições constitucionais, está pronto a contribuir não só com a emissão de alertas, mas também com o constante diálogo e com a promoção de cursos que podem oferecer subsídios técnicos àqueles que almejam contribuir com o aperfeiçoamento da gestão pública.
*Dimas Ramalho é Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo