Por Helen Mavichian*
Uma das preocupações para os pais de crianças e adolescentes atualmente é o comportamento dos filhos diante do “novo normal”. O sofrimento mental de quem ficou confinado dentro de casa por quase dois anos durante a pandemia pode causar efeitos diferentes em cada um e começa a aparecer não apenas em adultos, mas em crianças e adolescentes também. No momento em que as pessoas se abrem para o mundo, passam a enfrentar o medo do novo, de voltar ao presencial, de ter contato físico com outras pessoas.
Algumas crianças apresentam medo de ir à escola, de ir ao supermercado e outras situações do dia a dia. Os adolescentes, que antes tinham uma vida normal, agora sentem que estão ainda numa situação anormal.
Foi daí que surgiu a expressão “Síndrome da Gaiola”, pois as crianças e adolescentes se viam fechadas num mundo isolado e agora têm que enfrentar a rotina fora de casa. É quase uma fobia social que especialistas apontam como um transtorno de ansiedade. As pessoas pensam: “eu agora posso ir, mas até onde?’; “O que pode ou não?” e todo esse dilema causa danos à saúde mental.
Outro ponto a destacar são as crianças que nasceram em meio à pandemia. Elas não tiveram contato com outras crianças, não conhecem o estar com o outro, não experimentaram nenhum convívio social, além do seu núcleo familiar. Elas vão a um parque e ficam surpresas. É um mundo desconhecido.
Em relação aos adolescentes, embora estejam querendo voltar ao convívio com os colegas, eles agora apresentam um medo do que irão encontrar. Eles ficam divididos entre dois mundos. De um lado a liberdade e do outro a fobia social.
Fobia Social
O transtorno de ansiedade social ou fobia social é um medo marcante e persistente de uma ou mais situações sociais, como por exemplo, encontrar pessoas que não são da família, ser observado comendo ou bebendo e situações de desempenho em que a pessoa se sente exposta a desconhecidos ou a uma possível avaliação dos outros.
Segundo a American Psychiatric Association, em crianças, a ansiedade deve ocorrer em contextos que envolvam outras crianças e não só adultos. Esse medo e ansiedade é expresso por choros, ataques de raiva, imobilidade, comportamento de agarrar-se, encolher-se ou apresentar dificuldade em falar.
Importante lembrar que esse fenômeno comportamental recente, a “Síndrome da Gaiola”, não é uma doença ou um transtorno mental. É um retrato da atualidade, do “pós pandemia”, um estresse adaptativo entre pessoas que possam passar por dificuldades emocionais ao ter que sair do estado de retiro no qual estiveram em virtude da pandemia.
De acordo com a bíblia da psiquiatria, o DSM-5, referência para os profissionais de saúde mental, nos EUA, 75% das crianças diagnosticadas com fobia social tiveram o início do transtorno por volta dos oito anos, porém, estudos mostram que com a pandemia esse diagnóstico está cada vez mais precoce.
Segundo especialistas espanhóis, como o neurologista infantil Adrian Garcia Ron e a psicóloga Isabel Cuellar Flores, estudos recentes, de 2020, demonstram que a saúde mental infantil foi muito afetada. As crianças que foram obrigadas a ficar de quarentena manifestam pontuações médias de estresse pós-traumático quatro vezes maiores do que aquelas que não foram expostas. Mesmo com toda a adaptação e restrições, as pessoas que estão sofrendo com a “Síndrome da Gaiola”, se sentem paralisadas diante da possibilidade de ir para a rua.
A pesquisadora Judit Vall-Castello da Universidade de Barcelona relatou que outro fator de risco para a geração de transtornos mentais infantis é a presença de uma patologia dessa natureza nos pais. Um número considerável deles em quarentena apresentou sintomas suficientes para diagnosticar um transtorno em consequência de uma situação traumática.
Outras análises da pesquisadora Vall Castello sugerem que a falta de informação adequada sobre a duração da pandemia e as condições da quarentena, o temor quanto ao contágio, dentre outras questões, se configuram como elementos determinantes do surgimento de problemas mentais que podem persistir com o tempo.
Tendo em vista os aspectos observados é imprescindível o acompanhamento e observação dos pais no que diz respeito à volta das crianças e adolescentes ao “novo normal”. Em caso de medo marcante e persistente, expresso por choros, ataques de raiva, imobilidade, comportamentos hostis ou apresentar dificuldade em falar é indispensável a busca por ajuda de um profissional qualificado. Em um momento tão adverso como esse, nossas crianças precisam se sentir acolhidas.
* Helen Mavichian atua com psicoterapia voltada para crianças e adolescentes. Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É graduada em Psicologia, com especialização em Psicopedagogia. Pesquisadora do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui experiência na área de Psicologia, com ênfase em neuropsicologia e avaliação de leitura e escrita.