STF retoma julgamento do piso da enfermagem
Capacidade de financiamento do sistema de saúde está no centro dos debates
O julgamento sobre a decisão que liberou a aplicação do piso nacional salarial da enfermagem voltou ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta, 23 de junho. A expectativa é que a análise seja feita em sessão do plenário virtual até 30 de junho.
O caso trata de uma decisão liminar do ministro Roberto Barroso, em 15 de maio, que liberou o pagamento do piso, fixando regras para sua aplicação. A decisão segue válida até que o STF chegue a um consenso.
Na avaliação de José Luiz Souza de Moraes, Diretor Geral da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp) e procurador do estado de São Paulo atuante na Coordenadoria Judicial de Saúde Pública, embora extremamente justa, a fixação de um piso nacional para a enfermagem apresenta diversos impactos e problemas. “Como forma de reconhecimento de sua importância para o sistema de saúde, a enfermagem deve receber remuneração minimamente justa em todo do país. No entanto, a fixação de um piso por meio de uma lei federal, que atinge igualmente os 27 estados e 5.570 municípios, não leva em consideração o pacto federativo, cláusula pétrea da Constituição, desrespeitando a autonomia e as diferentes realidades de seus entes, trazendo impactos muitas vezes intransponíveis em relação aos orçamentos municipais e estaduais”, considera.
Moraes ressalta ainda o impacto da medida no setor privado de saúde. “Em especial as santas casas e hospitais filantrópicos que, em sua grande maioria, já se encontram em sérias dificuldades financeiras, havendo séria preocupação com demissões em massa ou comprometimento dos serviços de saúde com a diminuição de profissionais”.
Embora o Governo Federal já tenha aportado R$ 7,3 bilhões para cobrir os gastos extras com o cumprimento do piso nacional, o valor supre somente as necessidades deste ano. “Não há sinalização para futuros orçamentos”, aponta Moraes. Apesar disso, o STF sinaliza para a constitucionalidade da lei da ADI 7222, com condicionantes, como o repasse federal de verbas para Estados e municípios e a possibilidade de diminuição do piso por meio de acordos coletivos para o setor privado. “Ainda há grande chance de haver mais tentativas de acordo entre as partes interessadas”, afirma o procurador.
José Luiz Souza de Moraes lembra que, por conta do impacto de tal medida, o STF já sinalizou, “de forma clara”, que não mais declarará a constitucionalidade de leis que visem estipular pisos salariais para categoriais profissionais. “Justamente em razão da mácula ao princípio federativo e orçamentário e o impacto que essas ações legislativas causam ao desconsiderar as diferenças entre as finanças públicas e realidades socioeconômicas de cada um dos entes federados, bem como que descurem da livre iniciativa de nosso setor econômico”.
A decisão liminar do ministro Barroso definiu que o início dos pagamentos do setor público seria feito a partir de maio e de acordo com portaria do Ministério da Saúde. No setor privado, os valores deveriam ser pagos pelos dias trabalhados a partir de 1º de julho de 2023.
Segundo o último levantamento do Conselho Federal de Enfermagem, há mais de 2,8 milhões de profissionais do setor no país, entre 693,4 mil enfermeiros, 450 mil auxiliares de enfermagem; 1,66 milhão de técnicos de enfermagem e cerca de 60 mil parteiras.
Sobre a fonte:
José Luiz Souza de Moraes é professor de Direito Internacional e Direito Constitucional na Universidade Paulista. Doutor e Mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP). Procurador do Estado de São Paulo, na área de Saúde Pública. Diretor geral da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp).