Assim que entrei na sala e encontrei olhares apreensivos. Havia, dessa vez, uma espera diferente pela minha chegada, uma espera para que pronunciasse a frase pronta, a fala que acalentasse, que desse sentido ao que estava acontecendo.  

O impacto do massacre ocorrido naquela quarta- feira, 13 de março, na escola Estadual Raul Brasil em Suzano, desencadeou aquilo que muitos dos professores compartilharam comigo no dia seguinte: a aula mais difícil de ser dada. 
O contexto escolar enfrenta desafios todos os dias, pois são milhares de jovens que passam a maior parte do seu tempo dentro das escolas brasileiras. São jovens que estão formando o pensamento crítico, a personalidade, encarando os problemas com a maturidade e transições. 
?? notável que ao nos depararmos com esse episódio de violência, a sociedade se choca e rapidamente faz uma busca pelos culpados. A acusação vem de todos os lados, o professor que falhou ao não dar atenção ao aluno com traços de problemas psicológicos, a orientação da escola que não discute abertamente sobre bullying e a ausência das famílias no processo de desenvolvimento do adolescente e seus valores são as teses que mais ganham as mentes brasileiras.
Para quem vive a rotina da escola o processo é mais complexo. A principal tendência considera as atitudes violentas práticas de bullying, termo surgido na Noruega na década de 1980 e que contribuiu para pensarmos as motivações de um número crescente nos dados de suicídio entre os adolescentes. Desde então, a escola tem se preocupado cada vez mais com os conflitos de relacionamento entre os alunos, a escola, a comunidade e a família. 
O maior erro que estamos cometendo, contudo, é a despolitização das ações violentas entre os jovens. Apesar do termo bullying e sua compreensão ter dado uma grande contribuição na forma como problemas na escola são encarados, caímos sempre no descuido de não dar nome ao que de fato representa algumas das ofensas entre os alunos e alunas.
Ações violentas como o massacre em Suzano possuem alguns traços semelhantes a outros episódios que já foram manchetes de jornal, a violência como alternativa e ódio como motivação. A questão é: ódio de quem e por quê? Ao colocarmos todas as ofensas, ameaças, humilhações e maus-tratos no mesmo ???pacote??? do bullying, estamos deixando de chamar pelo nome opressões que estruturam historicamente a nossa sociedade, sendo o racismo, machismo e preconceito social, exemplos de reprodução dessas violências na escola. 
Há, ainda que nem sempre abertamente, uma motivação politica por trás dessas ações, e no ambiente da internet, onde as ofensas acontecem de forma muitas vezes anônima, ofensas caminham de mãos dadas a preconceitos contra as minorias. 
Uma solução plausível a médio prazo é sustentar os debates em sala de aula, identificar e colocar no centro das relações as opressões que nos cercam e combater, trabalhar exaustivamente para que a escola permaneça sendo um espaço saudável, de convivência e aprendizado não só pedagógico, mas profundamente conectado com a nossa realidade social.Milena Gomes Soares Historiadora Contato: milenagomes210@gmail.com