Por Pedro Benedito Maciel Neto

“A injustiça é a raiz perversa da pobreza. O grito dos pobres torna-se mais forte de dia para dia, mas de dia para dia é menos ouvido, porque abafado pelo barulho de poucos ricos, que são sempre menos e sempre mais ricos” (Papa Francisco)

Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me de comunista. (Dom Helder Câmara)

Enquanto o governo federal anuncia o Plano “Ruas Visíveis – pelo direito ao futuro da população em situação de rua” – iniciativa que mobilizou onze ministérios e que nasceu como resultado de diálogo com a sociedade civil organizada, representantes dos três poderes, setor empresarial e universidades -, alguns representantes da extrema-direita paulistana buscam instalar uma CPI para criminalizar a pastoral “para o povo da rua”, o que confirma o provincianismo e mesquinhez paulistanos – denunciados por Mario de Andrade em 1922.

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O que querem os desvairados edis da Paulicéia? Querem a criação de CPI para investigar organizações não governamentais que ajudam dar de comer às pessoas que vivem na Cracolândia da capital (região abandonada pela administração pública e ocupada por usuários e dependentes de drogas).

A proposta revela, além da falta de apreço pela igualdade, justiça e generosidade, que não há política pública para as pessoas em situação de rua, para os dependentes químicos e alcoólicos, por isso buscam criminalizar a caridade e quem fornece alimentos a àqueles.

Os edis da capital paulista poderiam nominar a comissão de “CPI Sandra Cavalcante”. Lembram-se dela? A senhora Sandra Cavalcante, política que, quando secretária de serviços sociais do estado da Guanabara, preocupada em “higienizar” os morros da Zona Sul, teria premeditado incêndios em barracos nas favelas e afogados mendigos no chamado Rio da Guarda.
Não tenho conhecimento na área da saúde mental, mas, sei que pessoas doentes precisam de amor, não de julgamento, que a dependência de álcool e drogas é doença física, mental e espiritual, que precisa de amoroso acolhimento, não de criminalização.

Esse é um dos pontos da reflexão que proponho.

E há outro aspecto que os “nobres edis”, assim com letra minúscula, parecem desconhecer: a opção preferencial pelos pobres é uma das marcas mais singulares da Igreja católica latino-americana; característica cunhada a partir do Concílio Vaticano II, sensível às questões sociais.

Ao relembrar o conceito de “opção preferencial pelos pobres”, é importante ter em mente que trata-se de conceito teológico, que busca produzir efeitos práticos na vida da Igreja e em diferentes campos da vida do ser humano. O Concilio Vaticano II, isso mesmo, o concilio buscou dar efetividade ao conceito, por isso valorizou o diálogo inter-religioso e ecumênico, modificou a liturgia para torná-la mais acessível ao povo, enfatizou a corresponsabilidade entre a hierarquia da Igreja e os leigos, criou o conceito de “Povo de Deus” e proclamou a necessidade de mudanças nas estruturas de um sistema gerador de injustiças sociais.

(Photo by Franco Origlia/Getty Images)

Somente a maldade para justificar uma CPI que, em verdade, busca criminalizar a ação pastoral de um sacerdote que trabalha com os pobres.

A proposta da CPI na capital paulistana me remeteu à fato que envolveu o Padre Milton Santana que, durante a ditadura ele foi preso, torturado e depois de sofrer toda sorte de violência respondeu aos seus torturadores: “Se oferecer uma refeição para os miseráveis faz de mim um comunista, então eu sou comunista”.

O Padre Júlio Lancellotti é proveniente da mesma linhagem do Padre Milton Santana, de Dom Helder Câmara, Dom Paulo e de Dom Pedro Casaldáliga, por isso merece reverência de todos que se reconhecem cristãos; ele não é político, não é candidato, ele é Vigário Episcopal da Arquidiocese de São Paulo “para o Povo da Rua”; ele é uma brisa de humanidade, exemplo e inspiração.
Nosso tempo poderia ser lembrado pelas mudanças e progressos em inúmeros campos, com consequências importantes para a vida das pessoas, contudo, mesmo com tanto progresso e riqueza produzida, o legado desse tempo para o futuro é uma sociedade de exclusão e desigualdade, pois, “Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco” (Papa Francisco).

Penso que o Padre Júlio ilumina o verdadeiro cristianismo e, ao oferecer uma refeição aos pobres, coloca sob nosso olhar, tantas vezes desatento e egoísta, a realidade, escancara o sofrimento, mas aponta também que o caminho válido: nossas ações, pois nelas está amor vital, assim como na solidariedade, na partilha, na luta pela igualdade e justiça.
Temos de ser, como escreveu Francisco: “…, os postos avançados da atenção a todos os pobres e a todas as misérias, materiais, morais e espirituais, como superação de todo egoísmo na lógica do Evangelho que ensina a confiar na Providência de Deus”.

Aos desvairados lembro que “…os olhos do Senhor estão sobre os justos os seus ouvidos estão atentos à sua oração, mas o rosto do Senhor volta-se contra os que praticam o mal” (Pedro 3:12).
Essas são as reflexões e, às vésperas do meu aniversário de sessenta anos, afirmo: o Padre Júlio é operário da igreja que acredito, do cristianismo que amo e abraço todos os dias.

Pedro Benedito Maciel Neto, 59 anos (quase 60), advogado, sócio da www.macielneto.adv.br – pedromaciel@macielneto.adv.br , autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito, ed. Komedi, foi secretário Municipal em Campinas e Sumaré e atualmente é membro do conselho de administração da SANASA – Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento de Campinas S.A

 

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