A Igreja Universal do Reino de Deus terá de pagar uma indenização de R$ 300 mil a um ex-fiel que abandonou o tratamento contra a Aids, contaminou a mulher e chegou à beira da morte, pesando 40 quilos. Para a Justiça, o gaúcho de 36 anos foi convencido de que se livraria do HIV só com a fé em Deus ???e doações à igreja.
“Os pastores diziam que a medicina estava desatualizada, levavam testemunhos de gente que se curou de câncer, Aids. Quando as pessoas não aceitam doar seus bens, dizem que tem um espírito ruim que não está permitindo”, conta Lucas (nome fictício).
Tudo começou em 2005, quando ele descobriu que tinha o vírus e iniciou o tratamento. Angustiado, começou a frequentar os cultos da Universal por indicação de um vizinho. Quatro anos depois, em setembro de 2009, parou de tomar os remédios e passou a fazer sexo sem camisinha com sua mulher à época.
A decisão, diz, foi um “sacrifício” sugerido por um pastor em nome da fé para alcançar a cura. Mas nem isso nem a doação de um televisor e um computador à igreja foram suficientes para livrá-lo da doença e impedir a contaminação da mulher.
Dois meses depois de interromper o tratamento, Lucas foi internado com pneumonia grave. Ficou em coma induzido por 40 dias e saiu do hospital após quatro meses, com metade do peso normal.
A decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para que a Universal indenize Lucas por danos morais saiu no último dia 26. A igreja ainda pode recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
“Não há nada contra a fé, mas contra a forma abusiva de induzir as pessoas a abandonar o tratamento em nome da fé”, disse à Folha o desembargador Eugênio Facchin Neto, relator do caso.
Procurada, a Universal negou à reportagem que tenha pedido para Lucas abandonar o tratamento, mas reiterou que há uma “vasta bibliografia científica” que sustenta a “afirmação bíblica de que a fé auxilia ???e muito??? na cura de doenças”.
ABUSO
No acórdão, o juiz escreveu que a responsabilidade da Universal “reside no fato de ter se aproveitado da extrema fragilidade e vulnerabilidade em que se encontrava o autor, para não só obter dele vantagens materiais, mas também abusar da confiança que ele, em tal estado, depositava nos ‘mensageiros'”.
Durante o processo, a Universal chamou três testemunhas que disseram que tinham o vírus HIV e que foram curadas depois de participar dos cultos da igreja.
OUTRO LADO
A Igreja Universal do Reino de Deus declarou, durante o processo judicial, que Lucas deixou de tomar os remédios para a sua doença “voluntariamente, sem coação alguma”.
Disse também que os pastores “apenas pregam a possibilidade de cura das enfermidades, de acordo com as orientações bíblicas, mas não prometem cura”.
Em nota enviada à reportagem, a igreja afirma que Lucas “já era portador do vírus HIV quando foi acolhido pela Universal e que laudos e depoimentos presentes no processo atestam que, já naquela época, ele não se submetia aos tratamentos terapêuticos na forma indicada”.
A igreja diz ainda, no documento, que “sempre destaca a importância da rigorosa observância dos tratamentos médicos prescritos”. Segundo a Universal, o “próprio relator do recurso no tribunal reconhece que não há prova da suposta orientação para interromper o tratamento”, porque isso “é mentira”.
A igreja afirmou ainda que considera “absurda” a alegação de que estimulou Lucas a não usar preservativo em suas relações.
Folha de S. Paulo