Há mais mulheres (57%) do que homens (43%) cursando universidades no Brasil, segundo o último Censo da Educação Superior, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em 2012. Porém, a situação se inverte quando as estatísticas são relacionadas às ciências como matemática, computação e engenharias. Nessas áreas, o número de homens é maior do que o de mulheres em todas as regiões do país.
Para a professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília UnB Lourdes Bandeira, a explicação para a baixa participação das mulheres no meio científico está na própria essência da ciência. ???As qualidades das ciências, engenharias e matemática foram criadas com base em características masculinas como objetividade, força e destreza. Esse ideal cria uma espécie de ???pirâmide inversa??? nas quais as mulheres são maioria em atividades relativas ao trabalho de cuidado (como enfermagem, nutrição, pedagogia e assistência social) e minoria em áreas da tecnologia, matemática e engenharias???.
Os números refletem uma situação visível em salas de aulas de universidades pelo país. De acordo com a professora de engenharia da computação da UnB Aletéia Favacho de Araújo, nenhuma aluna se matriculou na turma em 2014. Na opinião da professora, a falta de mulheres na área gera dois problemas: desestímulo à participação feminina e preconceito contra mulheres que ingressam na área.
Retrocessos na área da computação
Aleteia convive diariamente com a desigualdade entre homens e mulheres no mundo da programação. ???Em uma ocasião, uma caloura chegou na porta da sala e perguntou se era a turma de engenharia da computação. Os alunos responderam que sim, mas completaram: a sala não é sua, você não tem louça para lavar em casa? A menina saiu chorando???, relata.
???Na graduação e no mestrado, até que eu não sofri preconceitos. Mas no doutorado teve uma ocasião em que o professor pediu para desenvolver um programinha. Estávamos em cinco e eu falei para fazermos em grupo. Um rapaz disse que não iria fazer porque eu era menina. O choro ficou engatado na garganta. Eu fiz o trabalho com outro rapa, e o nosso resultado foi melhor. Depois, eles pediam: vamos fazer trabalho juntos. Eu respondia: vocês são meninos. Não faço grupo com meninos.???
Mãe de dois filhos (uma menina de 7 anos e um menino de 1), a professora acredita que a educação em casa pode mudar esse quadro no futuro. ???As meninas têm que ser incentivadas a gostar de lego [blocos de montar], a gostar de matemática. Mas o que é coisa de menina hoje? ?? cuidar da casa? Ela não pode gostar de matemática? Por que os pais não brincam com as filhas da mesma forma que brincam com os filhos? Só quando isso mudar, a mentalidade vai mudar.???
O estereótipo da “abnegada da ciência”
Desde criança, a professora de física da UnB Adriana Ibaldo tinha muito bem definida a área que seguiria: ciências. ???A minha paixão começou aos 4 anos, mas foi no ensino médio que me decidi pela química [primeira graduação]???. Foi nesta época que ela começou a enfrentar as primeiras barreiras. ???No ensino médio, já há um certo preconceito para quem tenta buscar a carreira em ciências. Era como se fosse um desperdício você optar pelas ciências mais básicas.???
Na primeira graduação, o fato de ser mulher não provocava discriminação. ???Na química, a proporção homem-mulher é menos assimétrica do que na física. Quando eu fui para a física, senti o preconceito maior???, afirma.
A professora diz acreditar que a física é a área das exatas que tem o ambiente mais hostil. ???Há uma crise entre a definição de feminilidade e qualidade de trabalho no meio. Quando você pensa em cientista, a primeira imagem que vem à cabeça é masculina. A gente começa a sentir a diferenciação só por ser mulher.??? Adrina ressalta que foi justamente por estar ???fora do estereótipo??? que enfrentou os maiores desafios.
Ela observa que as mulheres têm mais dificuldade para serem ouvidas, porque são minoria. ???Você está numa reunião, aí fala o tópico A. Ninguém dá crédito. Mas, se um homem falar a mesma coisa, ele é ouvido.???
Com informações da Agência Brasil