O brasileiro, de forma geral, não tem a cultura de ir ao dentista preventivamente. Ao contrário do que acontece com outras especialidades relacionadas à saúde, como clínicos gerais, ginecologistas, dermatologistas etc, a visita ao dentista, normalmente, acontece apenas quando existe um problema já instaurado. E pior: quando este já começa a provocar danos, como incômodos, dores, tratamentos de cáries e canais, entre outros.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde, feita pelo IBGE em 2019 e divulgada ano passado, menos da metade dos brasileiros consultou um dentista nos 12 meses que antecederam a entrevista do estudo. Além disso, o material mostra que 34 milhões de brasileiros acima de 18 anos perderam 13 dentes ou mais e 14 milhões perderam todos. Esses dados reforçam exatamente o que profissionais da área odontológica percebem no dia a dia dos consultórios: as pessoas não dão a atenção devida à saúde bucal. “Infelizmente, o mais comum é o paciente procurar o dentista somente quando começa a sentir algum incômodo, ou seja, quando um problema já está em estado avançado, apresentando sintomas graves”, esclarece Marina Frois Yamaguchi, sócia e diretora da Clínica Sorridi (Indaiatuba, SP), lembrando ainda, que, além da dor, o tratamento necessário pode acabar sendo mais invasivo.
Rotina deve incluir visitas a cada seis meses
Da mesma fora que as pessoas procuram fazer visitas de rotina a médicos diversos para saber como está sua saúde, é preciso que a visita ao consultório odontológico também seja frequente, pelo menos duas vezes por ano. Desta forma, qualquer alteração na boca pode ser percebida desde o início.
No caso de cáries, por exemplo, como ela tem início indolor e sua mancha tem coloração branca, o que dificulta a sua percepção, o paciente acaba procurando um especialista apenas quando começa a doer, o que muitas vezes pode ser quando já é preciso tratar o canal. Já a doença periodontal tem início com um pequeno sangramento denominado gengivite, muitas vezes ignorado pelo paciente. Essa, por sua vez, evolui para periodontite, bem mais grave e severa, pois leva a perda dentária. “A maioria das doenças bucais começa de forma indolor e a pessoa só procura o dentista quando há dor ou quando atinge um estágio muito avançado, como mobilidade do dente, fratura etc. Isso atrasa o tratamento e pode causar danos além da boca”, explica a dentista Letícia da Silva Lima (CRO/SP 136381), também da Clínica Sorridi.
Outro erro comum é ignorar a presença de tártaro e placa bacteriana na boca. Esses problemas, quando não tratados, normalmente levam ao desenvolvimento de doenças periodontais e cáries que podem evoluir para canal. Além disso, causam mau cheiro na boca (halitose) e péssima aparência ao sorriso. “As pessoas confundem tártaro com uma sujeira que pode ser removida com apenas escovação, e não é. É preciso fazer limpeza a cada 06 meses, além, é claro, de manter a higiene sempre. O ideal é escovar os dentes pelo menos 3 vezes ao dia e, principalmente, antes de ir dormir. Porém, é preciso lembrar que para escovar os dentes o ideal é esperar um tempinho de pelo menos 30 minutos após alimentação, já que esse tempo é necessário para que a saliva possa agir e neutralizar o pH dos alimentos e bebidas”, enfatiza.
Saúde bucal x organismo saudável
Ao contrário do que muitos imaginam, a falta de uma rotina de cuidados com a boca não afeta apenas os dentes do paciente. Doenças cardíacas, diabetes e até mesmo relacionadas a parte óssea podem estar relacionados a problemas bucais
Segundo um estudo do Instituto do Coração, 45% das doenças e 36% das mortes cardíacas estão relacionadas a problemas na boca não tratados. Isso acontece porque a saúde bucal e a doença cardíaca estão conectadas pela disseminação de bactérias – e outros germes – a partir de sua boca para outras partes do seu corpo através da corrente sanguínea. Quando essas bactérias alcançam o coração elas se aderem a qualquer área lesionada e causam inflamação. Isto pode resultar em doença como a endocardite; uma infecção do revestimento interno do coração. Outros problemas cardiovasculares como a aterosclerose (artérias entupidas) e AVC (Acidente Vascular Cerebral) também estão ligados a inflamações provocadas por bactérias bucais, de acordo com o American Heart Association, associação cardíaca dos Estados Unidos.
Outra enfermidade que pode ser causada por doenças dentárias é a artrite reumatoide, que é uma doença autoimune. Estudos mostram que :
– Pessoas com AR têm 8 vezes mais chances de ter doenças gengivais do que pessoas sem AR;
– Em pacientes com AR e doença gengival, 18% têm ou tiveram doença periodontal grave e 32% tiveram doença periodontal moderada
– Em comparação, cerca de 10 a 15 % dos pacientes sem AR tiveram doença periodontal moderada a grave.
Ao que parece, controlar a inflamação por meio dos cuidados dentais pode ter um papel ao reduzir a incidência e a gravidade da artrite reumatoide. Alguns estudos mostram que pacientes com formas graves de AR que melhoraram de sua doença periodontal e gengival melhoraram os sintomas da artrite.
Para a diretora da Clínica Sorridi, manter a saúde bucal controlada é fundamental para a saúde do organismo. “Todos os problemas bucais têm a presença de bactérias, que podem migrar para a corrente sanguínea e afetar outros órgãos, causando diversas complicações. Um dente aberto, por exemplo, é uma porta de entrada para inúmeros microorganismos, que podem “estacionar” em qualquer parte do corpo, gerando outras doenças associadas”, conclui.