Uma pesquisa com o remédio para o tratamento de câncer de bexiga desenvolvido e patenteado pela Universidade Estadual de Campinas, OncoTherad, foi destaque entre os novos estudos científicos sobre o câncer urológico reconhecidos no 13º Congresso Internacional de Uro-oncologia, realizado no início de abril, em São Paulo. Essa é a terceira vez consecutiva que um trabalho com aplicação da nanopartícula sintética, desenvolvida totalmente numa universidade pública brasileira, conquista o primeiro lugar na premiação.
“É um grande reconhecimento receber esses prêmios, por três anos consecutivos, mostrando a qualidade da nossa universidade e a qualidade da pesquisa brasileira, em um congresso que enaltece a importância dos estudos fundamentais, tanto da parte básica quanto da parte clínica”, disse o professor e coordenador das pesquisas Wagner José Fávaro.
O OncoTherad é capaz de induzir uma resposta imune de células T no organismo ativando alguns tipos de linfócitos que produzem uma proteína chamada interferon, importante tanto para combater o câncer como também algumas doenças infecciosas. A pesquisa premiada teve como objetivo avaliar os efeitos da nanoimunoterapia associada à terapia com plasma rico em plaquetas (porção líquida do sangue que não inclui os glóbulos vermelhos e brancos) na progressão do câncer de bexiga não invasivo do músculo em modelo de camundongos. Os resultados mostraram inibição significativa da progressão dos tumores.
Esse é o quinto prêmio recebido pela equipe da Unicamp em menos de um ano. Outros quatro trabalhos do grupo de pesquisa do Laboratório de Carcinogênese Urogenital e Imunoterapia (LCURGIM), do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp já haviam sido premiados nas edições de 2020 e 2021 do Congresso de Uro-oncologia, com o primeiro e segundo lugares.
Em novembro do ano passado, Fávaro foi reconhecido pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), durante o XXII Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica, em uma categoria inédita do Prêmio SBOC que enalteceu a contribuição do pesquisador à consolidação do primeiro imunoterápico, para o tratamento de câncer, 100% brasileiro desenvolvido dentro de uma universidade pública.
“Existe um apelo muito grande para que essa medicação, OncoTherad, consiga chegar às pessoas, isso porque temos uma dificuldade na obtenção do tratamento padrão para o câncer de bexiga. Pacientes no Brasil e em outras partes do mundo sofrem regularmente com a falta da vacina Onco-BCG”, comenta Fávaro.
A caminho do mercado
O OncoTherad teve a patente concedida pela United States Patent and Trademark Office (USPTO), agência federal para concessão de patentes e registro de marcas nos Estados Unidos. A tecnologia foi licenciada, em 2021, em um trabalho precursor, com extenso apoio dos inventores à Agência de Inovação Inova Unicamp, o qual levou a uma licença exclusiva para a NanoImmunotherapy. A empresa é uma spin-off acadêmica que tem em seu quadro societário Fávaro e o pesquisador Nelson Durán, ambos docentes da Unicamp e inventores do imunoterápico.
O pedido de patente também foi depositado com a estratégia da Inova Unicamp e está em fases avançadas de análise no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), no Brasil, e no European Patent Office (EPO), o escritório de patentes da Europa. Se concedidas, a empresa-filha da Unicamp terá exclusividade na comercialização do medicamento em três importantes mercados: Estados Unidos, Europa e Brasil. O licenciamento exclusivo representa uma vantagem competitiva, ainda mais para uma empresa farmacêutica como a Nanoimmunotherapy que acaba de chegar ao mercado.
Nos últimos meses, a startup tem focado esforços na prospecção de parcerias e investimentos para a construção de uma planta produtiva para acelerar a produção do imunoterápico em modelo comercial no Brasil. Essa é uma das exigências da Anvisa para que a Nanoimmunotherapy Pharma possa avançar nas fases de estudos clínicos em pacientes, necessárias para demonstrar a eficácia e segurança do produto em populações diferentes e alcançar a liberação para comercialização. Por enquanto, o OncoTherad só é aplicado em pesquisas experimentais e não pode ser vendido. O grande desafio parece estar ligado ao próprio pioneirismo da tecnologia. Segundo Fávaro, ainda não existem normas para a produção de um medicamento oncológico, como o OncoTherad, no país.
“Não temos informação da Anvisa ter autorizado algum laboratório no Brasil para a produção de um IFA na área oncológica. É a primeira vez que nós discutimos isso. Buscamos a construção de uma planta que seja produtora do IFA e formuladora de um medicamento, atenda às exigências da ANVISA e até mesmo auxilie o órgão a fazer a regulamentação. Estamos quebrando mais um paradigma”, pontua Fávaro.
Trajetória pioneira
As pesquisas com o imunoterápico nanotecnológico começaram em 2007 e seguiram uma trajetória pioneira ainda incomum dentro da Universidade com a criação da spin-off acadêmica. Nesse modelo, os próprios inventores se encarregam de levar os conhecimentos produzidos na Unicamp para o mercado, acompanhando de perto as fases de desenvolvimento comercial, necessárias para transformar uma tecnologia em produto ou serviço viável.
O OncoTherad tem se mostrado promissor no tratamento do câncer de bexiga, principalmente, para pacientes nos quais as terapias tradicionais falharam e a cirurgia é desaconselhada. Ele funciona como um adjuvante que atua de forma complementar na melhora da resposta imunológica dos pacientes pela ativação das células de defesa do corpo. O nanofármaco alcançou sucesso em 77,3% dos casos de câncer de bexiga tratados experimentalmente em humanos e diminuiu a resistência dos tumores, com redução da formação de metástase e dos vasos sanguíneos responsáveis por alimentá-los.
Além disso, o nanoimunoterápico se apresentou seguro e com poucos efeitos colaterais. Outro diferencial da tecnologia desenvolvida na Unicamp é sua característica de plataforma. Pode ser alterada e adaptada para o tratamento de outras doenças e o desenvolvimento de novos fármacos, aumentando o alcance de ação. O medicamento já foi aplicado em pacientes com Covid-19 com resultados positivos.
A Spin-off acadêmica
O termo spin-off acadêmica se refere a uma empresa que tem no coração do seu negócio uma tecnologia ou conhecimento desenvolvido na Universidade. O papel da empresa é, via de regra, amadurecer a propriedade intelectual licenciada, geralmente em estágios embrionários, viabilizando um modelo comercial do produto ou serviço. E no caso de uma empresa farmacêutica como a NanoImmunotherapy, vencer as etapas regulatórias exigidas para a produção de um novo Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) que incluem a liberação do novo fármaco.
A abertura de empresas por docentes, pesquisadores e servidores da Unicamp foi regularizada com a nova Política de Inovação da Unicamp, aprovada em 2019 com base na Lei de Inovação Federal. Desde então, os inventores podem fazer parte de uma empresa de base tecnológica sem se afastar das funções exercidas na Universidade e até se dedicar exclusivamente à constituição de uma startup. Com isso, a Unicamp espera incentivar a transferência de tecnologias com potencial para mudar a vida das pessoas.