Reacionario- Gentil e reaça Por Ribas de Lima*
Ao falar de reacionários, vinham à mente tipos específicos de pessoas. Encontrávamos adesivos por voto impresso colados em camionetes de chassi erguido, dirigidas por sujeitos de meia-idade, enganados de sua vulnerabilidade por uma ansiedade impositiva. Já não nos surpreendíamos com arroubos de ódio por clichês baratos. O que nos fez cair da cadeira, nos últimos tempos, são irrompes inescrupulosos por pessoas extremamente afáveis.
Falamos daquela gente que nunca se furta a prestar favores, sem pedir nada em retorno, e com um sorriso no rosto (e, quem a conhece, sabe que a cortesia é sincera). Quando falhamos com ela, não há ninguém mais compreensível, deixando de lado qualquer cobrança (ao ponto de ficarmos constrangidos enquanto não repararmos o erro). E se precisarmos desabafar, podemos contar com ela. Não nos referimos só ao senhorzinho amigo da vizinhança, que pegamos acampado na frente de quartéis, mas também do “brother” do grupo do futebol (ou do crossfit), do colega de faculdade, do parceiro de games, entre tantas outras figuras.
Quando menos esperamos, eles bufam, do nada para lugar nenhum, sua decepção com a tentativa de golpe da extrema-direita, profetizam o apocalipse da ordem cívica econômica com a eleição de “comunistas” ou os flagramos em corrupções mal-arranjadas, que já sabemos não serem meros “jeitinhos”. Não os encontramos apenas numa das extremidades da bitolagem política, também testemunhamos achaques em sentidos opostos para manter a polarização viva.
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É arbitrário classificar pessoas por suas personalidades e despropositado perfilhar causas para posturas peculiares. Ao investigar um tipo de pessoa, uma simplificação representativa, fixa-se um instrumento analítico para propor diferenças e identificar caracteres atuais relevantes.
No nosso caso, e contra as análises conjunturais, precisamos distinguir a disposição, algo entre índole e estado de ânimo, do discernimento da pessoa observada. A moralidade vulgar encobre essa diferença ao associar serenidade com prudência. Não esperávamos que indivíduos pacíficos esbravejassem absurdos. Performance expressiva nada diz respeito à razoabilidade da reclamação, e é esta última que nos importa.
Não podemos dizer que nosso exemplo seja a de novos Eichmanns, organizando o holocausto de dentro da repartição burocrática, afinal, naquele está o clamor contra a impunidade e contra a corrupção, seus cânones. Há uma demanda jurígena, mesmo que virulenta, que o afasta da pura apatia. Talvez esses falsos pacatos não saibam do que falam, mas, certamente, alimentam uma frustração séria com o estado de coisas, especialmente em relação a configurações institucionais.
É legítimo numa democracia alimentar opiniões discordantes, bem como discordar dos mecanismos de diálogo ou de decisões coletivas já tomadas, mas sempre em respeito ao “jogo”. Todo jogo centra-se no aprofundamento da interação dos jogadores, não no tabuleiro, nem nos movimentos das peças sobre este. Nessa alegoria, debatemos e deliberamos pelo que se debate. A performance pode ser envolvente, mas ela é secundária.
É a performance, no entanto, que se ostenta, nunca as razões dos jogadores. Confundidas disposição e prudência pela moralidade vulgar, nosso pacato talvez acredite que sua gentileza lhe justifica em seus absurdos (quando o mito do cidadão de bem fecha seu circuito), contudo, no frigir dos ovos, não é a gentileza que está em jogo. Aquela frustração reflete o entendimento destas pessoas de que elas não estão sendo mais consideradas.
Nossos falsos pacatos engendram uma questão política de primeira ordem, o desinteresse no jogo limpo. Jogadores habituais são aqueles que sabem transitar entre as casas, usando as regras em seu favor. Para alcançar a perícia que não têm, os pacatos deixam de seguir as regras para manipulá-las – ao menos assim tentam. Não há um interesse em se divertir com jogar, isso é para amadores. Sempre existiram jogadores habituais nos corredores palacianos, principalmente os bajuladores.
Nossos pacatos querem trapacear, levados a erro pela moralidade vulgar, sem distinguir disposição de prudência, pouco importa se fazem isso de forma amável. Não só a expressão perde relevância, o significado expresso deixa de ser ouvido. Mesmo que não valha a pena discutir com idiotas, é preciso denunciá-los. Não sorria de volta.
Ribas de Lima é advogado, especialista em processo civil, mestre em direito constitucional e autor do livro Faces públicas do julgamento (Kotter Editorial)
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