Sem acolhimento da liderança, denúncias perdem força e vítimas se calam
O assédio sexual ainda é uma realidade silenciosa em muitos ambientes corporativos. Apesar de campanhas de conscientização e da existência de canais formais de denúncia, diversos casos seguem sem a devida apuração ou sequer chegam ao conhecimento do setor responsável. Para especialistas, a omissão das lideranças está no centro desse problema.
Pesquisa realizada por Talenses Group, Insper e Think Eva revela que, sem apoio gerencial, a cadeia de abusos tende a se repetir. Lançado em março deste ano, o estudo entrevistou 283 líderes de diversos setores e simulou situações hipotéticas de assédio sexual.
A intenção era identificar em quais circunstâncias essas lideranças estariam dispostas a encaminhar formalmente as denúncias. O resultado mostrou que muitos líderes só reagem diante de casos classificados como graves, como contato físico não consentido ou chantagens explícitas. Já comentários inadequados ou insinuações veladas tendem a ser ignorados.
A cofundadora da Think Eva, Maíra Liguori, destaca que o letramento e a conscientização são essenciais. “Lideranças, funcionários, alta gestão e o RH precisam estar capacitados, pois muitas áreas não sabem como agir diante de um caso de assédio”, avalia.
A dimensão do problema, especialmente entre as mulheres, reforça a importância dessas medidas. De acordo com levantamento da startup de aconselhamento jurídico Forum Hub, 18,3% das profissionais já sofreram assédio sexual no trabalho, percentual quatro vezes maior do que o registrado entre os homens (3,4%).
Outro fator apontado pela pesquisa da Talenses Group, em parceria com a Insper e Think Eva, é a percepção de um ambiente organizacional ético. Quando a empresa transmite uma cultura clara de intolerância ao assédio e tem políticas consistentes de integridade, cresce a chance de denúncias receberem o devido encaminhamento.
Essa percepção deve ser construída por meio de uma cultura de compliance que vá além
de implementar um sistema para gestão de documentos ou garantir a conformidade com normas regulatórias. É preciso promover mudanças estruturais, que envolvam desde a prevenção até o acolhimento das vítimas.
Segundo informações do clickCompliance, empresa especialista em software de compliance, essa transformação deve começar já nas contratações: profissionais que demonstram não compartilhar desses valores não podem fazer parte do time.
A pesquisa também recomenda práticas como o mapeamento da cultura organizacional, com a realização de estudos para identificar as áreas mais vulneráveis da empresa, a gravidade dos casos não registrados e o nível de conhecimento dos colaboradores.
Além disso, é preciso promover a capacitação de líderes e colaboradores – com campanhas de conscientização, comunicados frequentes sobre o assédio e incentivo a denúncias –, assim como definir parâmetros para sanções, como demissão por justa causa em casos graves.
Segundo o estudo “Perfil do Hotline no Brasil 2024”, desenvolvido pela KPMG, o plano de ação mais comum aplicado para as denúncias sobre assédio sexual é a rescisão contratual por justa causa, mencionada por 23% dos entrevistados, seguida por advertência formal ou escrita (21%), rescisão de contrato sem justa causa (20%) e feedback informal/advertência verbal (13%).
Canais de denúncias precisam passar confiança
Para que o combate ao assédio sexual no ambiente corporativo seja efetivo, os estudos sugerem que é indispensável um canal de denúncias acessível e seguro. Sem essa estrutura, a empresa corre o risco de manter um ciclo silencioso de violência, no qual vítimas não denunciam por medo de represálias e lideranças ignoram ou relativizam casos considerados “sutis”.
Segundo o estudo do Talenses Group, Insper e Think Eva, um canal eficiente precisa ser externo, confidencial e permitir o anonimato, sem rastreamento de IPs ou e-mails. Além disso, é fundamental que haja garantia de proteção à vítima desde o primeiro contato, o que inclui acolhimento psicológico, atendimento livre de julgamentos e, quando necessário, a separação imediata entre a vítima e o acusado até o fim da apuração.
Outro ponto importante é manter a vítima informada sobre o andamento da denúncia, assegurando que ela receba atualizações constantes. Dados do “Perfil Hotline Brasil 2024” mostram que, após o recebimento da denúncia, o tempo médio de apuração costuma variar: entre as respostas mais frequentes, 33% das empresas disseram levar entre 11 e 30 dias para concluir o processo, enquanto 21% apontaram um prazo de 31 a 60 dias.
A professora do Insper, Tatiana Iwai, chama atenção para o fato de que muitas mulheres se sentem menos legitimadas e ocupam posições mais frágeis na empresa. “Quando apontam um problema, são mais questionadas”, explica.
A insegurança também pode influenciar negativamente no encaminhamento de denúncias, principalmente quando envolve figuras com mais tempo de casa ou em cargos hierárquicos superiores, situação em que, segundo a pesquisa, cresce a tendência de proteger a reputação da empresa, em vez da vítima.

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O que fazer em casos de assédio sexual?
O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) alerta que, em uma situação de assédio, a vítima precisa repudiar o ato do agressor o mais rápido possível, sem que dê qualquer indício de reciprocidade em suas palavras.
Também é importante reunir provas dos atos quando possível, por meio de testemunhas, prints de conversas ou anotando dia, local e horário para que sejam analisadas as câmeras de gravação posteriormente.
Munida das provas, o Sebrae recomenda que a pessoa busque o superior dentro da empresa e relate os fatos ocorridos. No entanto, se ele for o próprio agressor ou a empresa não tomar nenhuma medida, o empregado deve procurar um advogado de confiança e solicitar a abertura de inquérito policial para que o crime seja investigado, além de propor reclamação trabalhista.