Concordem uns, discordem outros, o fato é que a vida social e as atividades produtivas voltam a ser quase iguais ao que eram antes da pandemia. No próximo mês, a pandemia, que tem como origem a cidade de Wuhan, província de Hubei, na China, completa dois anos de vida. Explicando a expressão “quase iguais”, valho-me do filósofo Heráclito de Éfeso, que ensinava: “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontram as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”. Para milhares de pessoas, a vida fez uma curva. Perderam e muito, mas algum ganho ocorreu.
O planeta abriga contingentes humanos feridos e amargurados com a perda de amigos e parentes, sendo raro encontrar alguém que tenha passado ao largo da devastação, sem casos para contar. Um morreu aqui, outro ali, alguns sofreram muitos nas UTIs, e as narrativas se locupletam de relatos doloridos. O planeta terra continua azul e com correntes de nuvens sobrevoando os continentes, mas, sob seu solo, milhões foram empurrados para seu eterno habitat.
A dor traz a tristeza e esta vem acompanhada de fartas doses de angústia, desencanto e desespero, que afligem milhões de seres vulneráveis, principalmente as massas que perderam seus empregos, caindo nas bordas do desemprego, sem os estoques mensais que subsidiavam sua existência. Os coitados entram em um novo modo de vida, com um olho aqui, outro ali, procurando um jeito de se acomodar aos tempos de penúria que pontuam por todos os lados.
No Brasil, os dados apontam um índice de 15% de desemprego, abrigando 14,8 milhões de pessoas sem ocupação, um número que se torna muito maior se observarmos outras variantes, como quebra e diminuição de salários, redução significativa de serviços, recomposição de formas de trabalho etc.
Os impactos são de monta, bastando olharmos para crianças e adolescentes que deixaram de ir à Escola, um dano incontável que se projeta no atraso educacional de uma geração. Quase dois anos sem Escola ou amparados em ferramentas virtuais que não substituem a presença física em sala de aula, esse grupamento sofrerá abalos em suas carreiras profissionais. Imaginem o que isso significa em termos de impacto sobre a evolução educacional e tecnológica do planeta. Um gigantesco buraco. Um atraso na vida civilizatória.
Para não ficarmos apenas na esfera dos males, podemos inferir que a pandemia trouxe em seu bojo um conjunto de valores até então desprestigiados. A paciência para suportar as perdas, mostrando que não somos imunes a vírus e bactérias. O domínio do conhecimento nas ciências biológicas com a avalanche de vacinas em processamento em centenas de laboratórios. O diálogo mais aberto e sincero entre as Nações, apesar dos conflitos iniciais travados pelas potências sobre a origem da pandemia. A solidariedade que joga sua mão para acolher grupos sofridos, principalmente junto às populações do continente africano. A revisão positiva da maneira de viver, que baixa sobre a consciência de indivíduos sem nenhuma preocupação com o amanhã.
Infelizmente, não são poucos aqueles que vivem no esbanjamento, deixando de olhar para os infortunados, preocupados tão somente com o acúmulo de riquezas. Governantes há que brincam com o sofrimento, negando a eficácia da vacina ou desprezando as recomendações da ciência. Muitos dos nossos representantes, que estarão humildemente pedindo votos no palanque de 2022, hoje se esforçam para expandir recursos e aumentar seus feudos, sob a suspeita de que parte das verbas jamais chegará ao destino por eles apontado. São pessoas medíocres.
José Ingenieros, pensador argentino, diz em O Homem Medíocre: “Os servis e medíocres se alardeiam de honestos, como se alguma vez a incapacidade do mal pudesse ser confundida com virtude…os medíocres preferem a maledicência surda à calúnia violenta, de modo que praticar a infâmia escondida e sutil é menos arriscado e, portanto, mais condizente com sua condição de moradores do limbo que sobra entre o superior e o inferior, mais especificamente nas margens da comprida avenida espremida entre o mediano e o médio.”