Em uma rua sem saída no extremo sul de São Paulo, cinco mulheres e um rapaz caminham para a única propriedade daquelas bandas: o Cemitério de Colônia, fundado em 1829 em terreno cedido por Dom Pedro I no distrito de Parelheiros. Diferentemente do que a localização sinaliza, contudo, o diminuto cortejo não estava ali para participar de um rito fúnebre, mas para encorpar o vai e vem pelo terreno causado por uma insuspeita atividade: a literatura. Ali, onde costumava ser a casa do coveiro, funciona desde 2009 a Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura.
Frequentadores afirmam não estranhar a localização, que, em geral, passa despercebida. A exceção ocorre apenas na proximidade do Dia das Bruxas, quando a biblioteca promove o Sarau do Terror, espetáculo artístico que costuma arrastar 150 pessoas para o meio de sepulturas centenárias.
?? nesse ambiente, que muitos associam ao medo, que Sidineia Chagas, de 23 anos, busca realizar um sonho: transformar Parelheiros em um grande polo cultural. Ativista em coletivos como o time de futebol Perifeminas, ela é a gestora da Caminhos da Leitura ??? que ajudou a fundar com a ONG Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (Ibeac). Sobre a experiência, ela já fez relatos em eventos de Brasília a Berlim.
???A biblioteca é a minha base, aqui temos sonhos coletivos. Minha missão daqui para a frente é ajudar a fortalecer outros grupos para atender as necessidades da região???, diz a jovem, que ingressou no projeto sob protestos de familiares, especialmente por, na época, estar grávida do filho Octávio Henrique, de 8 anos.
???Hoje eles participam também, mas, no início, eu sofria muita pressão para arrumar emprego, até porque não recebia apoio financeiro. Agora, eles entendem que aqui é o meu ativismo e a minha fonte de renda???, explica a jovem.
Paulistana, a garota se mudou para o bairro Colônia em 2004 após um episódio de violência envolvendo a família. Na biblioteca, ajudou a organizar o acervo de mais de 4 mil livros, dentre os quais estão obras de autoria de sua principal referência literária, Carolina de Jesus, escritora que, assim como ela, é negra e morou na região.
Aqui e ali. Hoje, além do cemitério, a biblioteca se espalha por três unidades básicas de saúde e no Cantinho de Histórias, espaço criado há um ano em uma casa de Parelheiros. Além do empréstimo de livros, há atividades culturais e de formação, como sessões de cinema e oficinas de culinária ??? tudo organizado da forma acessível. ???Os livros infantis estão em prateleiras baixas para incentivar a autonomia???, exemplifica o mediador de leitura Bruno de Souza, de 21 anos.
Segundo Bel Santos Mayer, coordenadora do Ibeac, o projeto tem o propósito de ser ???democrático??? desde o início, quando a ONG decidiu concentrar as ações em um único território. ???Pesquisamos qual era o pior bairro de São Paulo para se viver. Pretendíamos mostrar que nenhum lugar é ruim de verdade, e os moradores nos buscaram porque também queriam potencializar as coisas boas daqui.???
Com informações do jornal O Estado de S. Paulo.