A expansão das drogas sintéticas é, hoje, uma das maiores

preocupações mundiais na área da saúde. Com efeitos muito mais potentes que as drogas “naturais”, elas são rápidas, baratas e fáceis de produzir, porém, mais difíceis de combater e tratar. O rastreamento da composição dos sintéticos, que está sendo feito em laboratório, no Brasil, é a informação mais aguardada atualmente pelos profissionais que atuam na área de transtornos por substâncias psicoativas no país.

Os canabinoides sintéticos, também conhecidos como “drogas K” – “K2, K4, K9” ou “Spice” –, são potentes agonistas (moléculas que podem se ligar e ativar um receptor para induzir uma reação biológica) dos receptores canabinoides no cérebro. No geral, o mecanismo de ação e os efeitos adversos das drogas sintéticas são semelhantes às drogas tradicionais de abuso.

No Brasil, a coordenadora do Levantamento de Cenas de Uso em Capitais (Lecuca) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Clarice Sandi Madruga, é um dos profissionais que aguardam ansiosamente a conclusão do rastreamento de substâncias. A expectativa dela é divulgar os dados inéditos no XXVII Congresso da ABEAD, que acontece de 03 a 06 de setembro, em São Paulo.

“A avaliação dos canabinoides do K9 ainda está no laboratório. Os dados de Fortaleza, Brasília e São Paulo vão ser liberados em breve e eu gostaria de apresentar em primeira mão, no Congresso da ABEAD, mas não depende de mim. É um trabalho técnico do laboratório para conseguir validar os padrões dessas novas drogas que até agora não foram identificados. Estamos esperando há mais de seis meses”, explica Clarice Madruga.

Drogas sintéticas: combate à expansão mundial do consumo

Lecuca monitora, desde 2016, as cenas de uso em São Paulo. Há sete anos, o estudo das dimensões e do perfil dos frequentadores foi feito na Cena de Uso da Luz, região que, até então, tinha a maior concentração de dependentes, e, em 2022, acompanhou a movimentação na Praça Princesa Isabel, antes da dispersão para outros pontos da capital paulista. O último Lecuca, que compreende os anos de 2021 e 2022, foi ampliado para Recife (PE) e Brasília (DF).

NBome: mais potente que LSD

Os efeitos de drogas sintéticas como o NBome (N-Benzilfenetilaminas), alucinógena derivada do grupo da fenetilamina, assustam a população dos grandes centros do Brasil, principalmente, na cidade de São Paulo.

Os dependentes químicos que antes se concentravam em um só local, conhecido como Cracolândia, hoje se espalham por vários pontos da cidade e transitam sob o efeito da droga como se fossem “zumbis”, definição de quem assiste a cenas impressionantes de degradação do ser humano.

A psiquiatra e escritora Fernanda de Paula Ramos explica que as drogas NBome têm efeitos similares ao LSD, sigla de dietilamida do ácido lisérgico, que tem ação estimulante e alucinógena. “No entanto, sua potência é cerca de 10 vezes maior do que a do LSD, sendo, portanto, mais tóxico. Os quadros de intoxicação são, geralmente, mais graves”, destaca a psiquiatra, uma das especialistas que vão participar do Congresso da ABEAD.

Fernanda Ramos ressalta que a droga sintética age por um período de 3h a 13h. “O consumo de NBome pode gerar alucinações, agitação psicomotora, comportamento violento, convulsões, pressão alta, coma e até morte. Não há ainda tratamentos específicos para a dependência dessa droga”, alerta.

O consumo tem sido crescente desde 2013 e, de acordo com o levantamento da UNODC  (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), publicado em junho deste ano, o grupo das fenetilaminas foi o segundo maior grupo de consumo entre as novas substâncias psicoativas. “Ficou atrás apenas dos canabinoides sintéticos”, aponta.

 

CONSUMO MUNDIAL

Os dados do Relatório Mundial sobre Drogas registram que o número acumulado de novas substâncias psicoativas identificadas nos últimos 15 anos atingiu 1.165 substâncias em 2021 e, segundo dados preliminares, 1.184 substâncias em 2022. Das 618 substâncias relatadas para estar no mercado global em 2021, 87 foram recentemente identificadas.

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Mais de 296 milhões de pessoas usaram drogas, em 2021, um aumento de 23% em relação à década anterior. Já o número de pessoas que sofrem de Transtornos por Uso de Substâncias (TUS), enquanto isso, disparou para 39,5 milhões, um aumento de 45% em 10 anos.

Ainda de acordo com o relatório, “a produção de baixo custo, fácil e rápida de drogas sintéticas transformou radicalmente muitos mercados de drogas ilícitas. Os grupos criminosos que produzem metanfetamina – a droga sintética fabricada ilegalmente mais difundida do mundo – estão tentando descumprir as leis e as respostas regulatórias por meio de novas rotas de produção, bases de operação e precursores não controlados”.

ALUCINÓGENOS POTENTES NO CONGRESSO ABEAD

 A psiquiatra Fernanda de Paula Ramos apresentará, no congresso, o tema NOVOS ALUCINÓGENOS POTENTES DA FARMACOLOGIA, MÉTODOS ANALÍTICOS, TOXICIDADES, FATALIDADES”

A coordenadora do Lecuca, Clarice Madruga, além dos dados do estudo vai apresentar dados sobre a EPIDEMIOLOGIA DE DROGAS E GÊNERO: PERSPECTIVA NACIONAL E MUNDIAL EM DADOS E INFORMAÇÕES. Segundo a doutora em psiquiatria, as mulheres são mais vulneráveis e, além da dependência química, estão mais sujeitas às doenças mentais.

“Em uma cena de uso, as mulheres têm mais chances de estarem expostas a todos os fatores de riscos. Elas sempre estão em uma situação pior do que a dos homens, têm mais transtornos comórbidos, mais indicação de quadro psicótico, suicídio, tentativa de suicídio, além de doenças infecto contagiosas”, ressalta Madruga que vai apresentar números exclusivos para compreender o perfil das mulheres nas cenas de uso.

O XXVII Congresso da ABEAD será realizado no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo, capital. A cerimônia de abertura e palestra magna acontecem na segunda-feira (04/09), a partir das 19h.

No total, no Congresso da ABEAD serão realizadas 176 palestras com profissionais especialistas e renomados de várias regiões do Brasil, referências dos setores público e privado, universidades, organizações não governamentais, organizações de assistência social, do direito, da educação e de saúde. Participam também palestrantes de organizações internacionais dos Estados Unidos, Canadá, Portugal, Argentina, México e Chile.

SOBRE A ABEAD

Com sede em Porto Alegre (RS), a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD) reúne psiquiatras, assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos, advogados, líderes comunitários, conselheiros, professores, entre outros profissionais, que trabalham com Transtornos por uso de substâncias e dependências comportamentais no Brasil e no exterior.

Criada oficialmente em 1989, a preocupação dos profissionais da área da saúde em relação ao álcool surgiu no final dos anos 1970, em São Paulo, como um grupo interdisciplinar. Já no início da década de 1980 realizou o primeiro encontro nacional e, em seguida, ampliou o foco de estudos para outras drogas e as dependências comportamentais. Hoje a ABEAD é referência na discussão e implementação de  políticas de prevenção e tratamento do uso de drogas no Brasil e na América Latina. O Congresso, maior evento da associação, é realizado a cada dois anos.

 

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