Restauração de manguezais no Delta do Parnaíba protege o tamanduaí, o menor tamanduá do mundo

A restauração e proteção de manguezais no Delta do Parnaíba, área de transição de Amazônia, Caatinga e Mata Atlântica localizada entre o Piauí e o Maranhão, está contribuindo para resguardar o tamanduaí (Cyclopes didactylus), a menor espécie de tamanduá do mundo. Descoberta recente na região, o animal ainda pouco conhecido pela ciência tornou-se um símbolo da conservação do manguezal no litoral nordestino. Solitário e de hábitos noturnos, o tamanduaí passa a maior parte do tempo no alto das árvores, mede cerca de 30 centímetros e pesa, no máximo, 400 gramas.

“Acreditava-se, até recentemente, que esses pequenos tamanduás só ocorriam na floresta amazônica. Estudos genéticos indicam que os indivíduos do Delta do Parnaíba estão separados há 2 milhões de anos daqueles que vivem na Amazônia. Desde estão, evoluem separados pela formação do delta e da Caatinga, que separou a Mata Atlântica da Amazônia há milhões de anos”, explica a médica veterinária Flávia Miranda, coordenadora do Instituto Tamanduá e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN). O tamanduaí é classificado pela International Union Conservation of Nature (IUCN) com status de “dados deficientes” devido ao pouquíssimo conhecimento sobre a espécie.

As pesquisas iniciadas em 2008, com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, revolucionaram a compreensão sobre a ocorrência do tamanduaí nas Américas Central e do Sul, mostrando que na verdade existem sete espécies do pequeno animal. A conservação da espécie no Delta do Parnaíba ganhou importante impulso nos últimos quatro anos com a criação de uma base avançada de pesquisa, com laboratório de campo completo e ações para a conservação e reflorestamento dos manguezais. O programa do Instituto Tamanduá já identificou mais de 30 animais na região.

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“Também realizamos, pela primeira, vez a coleta de sêmen dessa espécie”, destaca Flávia. “Agora, temos a possibilidade de fazer pesquisa reprodutiva monitorada, contribuindo para evitar a extinção e, se necessário, promover a reintrodução dos animais no habitat natural”, conta a veterinária. Outra ação importante para a proteção do tamanduaí foi o início do processo de criação de uma unidade de conservação da Resex Casa Velha do Saquinho, no limite territorial da Resex Marinha do Delta do Parnaíba.

O programa tem buscado a criação de soluções em conjunto com a população local. “Conseguimos cercar algumas áreas de manguezal para evitar a entrada de animais domésticos, facilitando a regeneração natural do ecossistema, e já restauramos quase 2 hectares com vegetação nativa. Pode não parecer uma área tão significativa para o tamanho do Delta do Parnaíba, mas o reflorestamento de manguezais é uma tarefa bastante desafiadora. Também estamos buscando alternativas econômicas e sustentáveis para a população local, como o desenvolvimento do turismo de base comunitária”, salienta Flávia.

“Esse esforço para a conservação do tamanduaí é emblemático. Demonstra a importância de ampliarmos os esforços para a promoção do conhecimento científico para a proteção da biodiversidade e, também, a necessidade de ampliação das unidades de conservação para que espécies como esta tenham áreas seguras e extensas para o seu desenvolvimento”, analisa a bióloga e gerente de Ciência e Conservação da Fundação Grupo Boticário, Marion Silva, lembrando ainda a importância das áreas protegidas para a segurança hídrica, resiliência costeira e adaptação às mudanças do clima.

O Delta do Parnaíba possui mais de 80 ilhas em uma área de quase 3 mil quilômetros quadrados, formando uma das maiores extensões de manguezais do Brasil. A área é considerada um berçário da vida marinha e habitat para diversas espécies, como o peixe-boi, o guará e diversos peixes de valor comercial. “A região como um todo ainda é pouco conhecida, mas infelizmente já é muito vulnerável”, alerta Flávia.

As pressões locais vão desde um turismo predatório, passando pela presença de animais domésticos em áreas de manguezal, até o interesse das usinas eólicas. “Como toda região de conexão marinha, os manguezais também enfrentam os desafios globais do oceano, como o aquecimento das águas, acidificação, excesso de plástico, entre outras ameaças”, afirma Miranda. De acordo com a publicação Oceano sem mistérios: desvendando os manguezais, organizada pela Fundação Grupo Boticário, cerca de 25% dos manguezais brasileiros já foram perdidos.

 

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