Li e reli a carta do autor do crime de Campinas, é uma carta que tem que ser estudada e analisada com muito critério, porque ali não é só um pensamento de um assassino, mais é uma carta que uma boa parcela da sociedade acaba reproduzindo no seu dia a dia. Eu quero aqui tentar fazer algumas reflexões do conteúdo contido nela e tentar nesta pequena reflexão colocar algumas indagações.
Primeiro, vivemos um momento na sociedade brasileira em que a exacerbação do ódio e da intolerância é uma marca que perpassa vários grupos sociais e está estampada diariamente nos noticiários televisivos, não podemos negar que este comportamento coloca mais lenha na fogueira de uma sociedade que está em constante combustão social. Este desserviço realizado pelos meios de comunicação social faz com que ganhe força na sociedade uma concepção de mundo em que tudo é possível e que aqueles que são diferentes não podem conviver nesta sociedade, portanto devem ser eliminados. A carta inicia com várias distorções, a primeira delas ali colocada é como se a prisão fosse um troféu para aqueles que cometem crime. ???… além do que eu preso, vou ter três alimentações completas, banho de sol, salário, não precisarei acordar cedo pra ir trabalhar, vou ter representantes dos direito humanos puxando meu saco…??? esta concepção de que na cadeia é tudo mais fácil revela como ainda nosso falido sistema penitenciário não é e nunca será o espaço de resocialização e sim um depósito de seres humanos que são retirados do convívio social. Se não mudarmos esta concepção estaremos criando uma sociedade cada vez mais animalesca, distanciando cada vez mais dos princípios da democracia, onde o respeito seja um principio básico entre cada um de nós. Portanto a defesa dos Direitos Humanos deve ser sim princípio básico de uma sociedade, e quando falamos em defesa dos Direitos Humanos estamos falando da garantia, seja qual for á situação de que a pessoa esteja, ela merece ser respeitada e ter garantidos os princípios dos direitos legais na qual ela é destinatária, o que acontece é que a ideia de Direito Humano foi totalmente distorcido, como ???aquele grupo que protegem bandidos???, Direitos humano protege todas as pessoas seja ela quem for. Tempos um problema seriíssimo a resolver, porque hoje muitos pensam no Brasil como sociedade que teve seu inicio com a Constituição de 1988 e contrói as suas análises somente tendo como parâmetro os valores trazidos nesta Constituição, que tem uma importância histórica inegável, mas ao pensar somente neste momento acabamos negando as raízes que constrói as bases da formação da sociedade brasileira. Somos fruto de uma sociedade estruturada sob dois pilares fundamentais que até hoje marca a formação do povo brasileiro, o Escravagismo e o Patriarcalismo que perduram a história da formação brasileira e que ainda não conseguimos superá-lo.  O Brasil foi formado sob a ótica de que a mulher nunca poderia alcançar lugares de destaque na sociedade e quando isto acontecida uma carga de preconceito já surgia. A mulher sempre foi destinada a somente ter as funções do lar, do cuidado com a casa e com a criação dos filhos. E quando o surgimento do Capitalismo e a espoliação do trabalho e aliada às sucessivas crises econômicas a mulher começa a assumir um novo papel na sociedade começando a assumir o papel também no campo do trabalho e da geração de renda.  Esta tarefa coloca para a família outro grande desafio, se a mulher necessita exercer a atividade remunerada fora de sua casa, no trabalho, como fica a questão dos filhos? Quem vai cuida-los? O Estado começa a exercer esta tarefa e tenta criar os mecanismos de absorver esta nova demanda fazendo que a Educação dos filhos possa ser neste momento compartilhada entre a família/Estado.  A mulher a partir deste momento vai conquistando seus espaços na sociedade, fruto da sua luta cotidiana. Mas ainda o peso do patriarcado presente nos discursos e nas atitudes dos homens faz com que estas mulheres sejam submetidas às maiores formas de violência tanto no âmbito das suas conquistas no trabalho, seja no âmbito da convivência na meio social e seja ainda no âmbito da sua convivência intrafamiliar. O avanço da Lei Maria da Penha na Defesa e Proteção das mulheres trouxe o encorajamento para que as denúncias pudessem vim a tona, dando outro patamar para á Proteção destas mulheres. Contudo ainda se faz necessário aperfeiçoar a agilidade e a questão legais que ainda colocam em risco estas mulheres encurtando o espaço entre a denúncia e a investigação e detenção do agressor, que tem colocado muitas mulheres ainda em situação de risco com vitimas fatais neste caso.   Ao se dirigir as mulheres com o termo depreciativo de ???vadias??? o recado que o autor do crime quer dar á sociedade é que o avanço das mulheres incomodou e colocou em cheque a hegemonia masculina e os avanços a elas alcançados mostraram que a necessidades urgente de romper com um dos pilares que marcam a história brasileira, o patriarcado. Como podemos falar em Estado democrático de direito se a sociedade ainda vive sobre esta hegemonia masculina, como falar em estado democrático de direitos se ainda no campo profissional as mulheres recebem menos que os homens exercendo as mesmas funções, como falar de estado democrático de direitos se a violência contra as mulheres ainda é marca nesta sociedade.  Enfrentar estes desafios, avançar na proteção e defesa das mulheres é tarefa urgente que deve ser desempenhada por todos nós, esta carta acompanhada deste crime trouxe a tona que este tipo de pensamento é presente em vários discursos, em várias rodas de conversas, é presente em Brasília no Congresso Nacional quando vemos avançar uma legislação que penaliza os direitos dos trabalhadores, quando vemos avançar uma legislação que beneficia os pequenos conglomerados financeiros, quando restringe a participação do trabalhador e da trabalhadora no acesso aos seus direitos, quando se corta gastos em saúde, educação, saneamento em detrimento ao pagamento de dividas. Alguém fez eco tirando vidas á um pensamento conservador que se faz constante nos meios de comunicação social, alguém fez eco ao pensamento machista que ainda é presente na sociedade, e cabe a cada um de nós desconstruirmos este pensamento, para construirmos de fato uma sociedade democrática.

Bruno Francisco PereiraSociólogo e militante do Coletivo do Grito dos Excluídos de Americana e Nova Odessa