Caso do fenol reascende disputa entre médicos e farmacêuticos sobre procedimentos estéticos
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A morte recente do jovem Henrique da Silva Chagas, 27 anos, durante um procedimento de peeling de fenol, ocorrida numa clínica na capital de São Paulo, ressuscitou uma briga histórica entre os conselhos profissionais de medicina e farmácia.
Desde que foi publicada a primeira resolução que regula a atuação de farmacêuticos em estética (CFF 573/13), o Conselho de Medicina vem impetrando diversas medidas judiciais para impedir a prática. Em 2018, a Justiça Federal de Brasília deu uma decisão favorável aos médicos, entendendo que a Lei do ato médico resguarda a estes profissionais a exclusividade na realização de procedimentos ditos invasivos. Em reação, o Conselho de Farmácia editou nova norma em 2018 (CFF 669//2018), que também foi suspensa por decisão judicial.
Para farmacêuticos, estão vigentes as Resoluções CFF 616/15 e 645/15, que incluem os peelings químicos, enzimáticos e biológicos no rol de atos autorizados para farmacêuticos estetas, contanto que o profissional comprove habilitação em cursos livres ou de pós-graduação reconhecidos, anotados no prontuário do profissional junto ao conselho regional, com no mínimo 360 horas de duração.
Em novembro de 2023, um novo pedido de liminar foi denegado ao Conselho de Medicina, que atacava justamente as resoluções de 2015 e 2017. Assim, a decisão mais recente reconhece o direito do Conselho de Farmácia definir a atuação do farmacêutico em saúde estética, entendendo o juiz que os procedimentos atualmente encampados não são de natureza invasiva.
Desde o episódio recente da morte do jovem, o Conselho de Medicina e Sociedades Médicas vêm declarando publicamente que consideram que o peeling de fenol é competência exclusiva de médicos.
Na última década, a ampliação do âmbito de atuação dos farmacêuticos foi um dos objetivos do Conselho Federal de Farmácia, não só na saúde estética, como na prescrição farmacêutica de medicamentos, na tricologia e na realização exames laboratoriais, por exemplo.
Em outro caso em Curitiba, uma senhora de 64 anos teve queimaduras graves por peeling de fenol realizado em 25 de maio. A profissional que realizou se declarava falsamente biomédica, segundo a polícia. Produtos preparados numa farmácia de manipulação de São Paulo foram apreendidos na clínica do Paraná pela vigilância sanitária.
Os biomédicos também possuem uma Resolução – 241/14 do CFBM – que os permite atuar na área estética, fazendo uso de métodos invasivos não-cirúrgicos (aqueles que são minimamente invasivos) como, por exemplo, carboxiterapia, botox e preenchedores, além de outros procedimentos como laserterapia, luz intensa pulsada e peelings químicos e mecânicos.
Já esteticistas não possuem regulamentação profissional clara, nem mesmo conselho próprio. Somente em 2018, a Lei 13.643 reconheceu a existência da profissão de esteticista no país. Há uma mobilização para a criação de um conselho profissional especifico da categoria. Por hora, é o Conselho de Biomedicina que encampa a profissão de esteticista. Assim, tais profissionais, muitas vezes com formação em cursos livres, não tem habilitação para realizar procedimentos estéticos que já são autorizados a outras profissões de saúde.
O exercício ilegal de medicina, farmácia ou odontologia é crime previsto no Código Penal Brasileiro, punível com detenção de seis meses a dois anos. Influenciadores digitais que declaram falsamente ser biomédicos, farmacêuticos ou médicos estão sujeitas a este enquadramento, além de outros como homicídio, lesão corporal e falsidade ideológica.
É bom pontuar que a dita invasividade medica é o critério chave para a discussão de âmbito profissional que alimenta essa polêmica há anos. A definição ficou de fora da Lei do Ato Médico (Lei 12.842/13), por veto da Presidenta Dilma Roussef, porque dizia que até atos mais singelos, como uma simples punção venosa, seriam privativos de médicos, encampando conceitos um tanto vagos, como a invasão da derme e epiderme.
Vale destacar que existem diversos graus de peelings químicos com fenol, que exigem diferentes cuidados para sua aplicação, até porque precisam de anestesia, o que em si já acrescenta risco ao paciente. Natalia Becker, esteticista, influencer e dona da clínica onde o procedimento foi realizado em São Paulo, foi indiciada por homicídio doloso. Ela alega que fez curso online com uma farmacêutica de Curitiba, Dra. Daniela Stuart, que foi ouvida pela Polícia local. Stuart alega que Natalia não concluiu o curso antes do procedimento que matou o paciente e que não teria seguido o protocolo recomendado.
O Conselho Federal de Farmácia, em nota, reiterou que a atividade de peeling é permitida aos farmacêuticos, bem como ministrar cursos livres e orientativos. Cabe a cada profissional de saúde conhecer e respeitar os limites éticos da profissão, dados pelo conselho do qual fazem parte.
Com o crescimento da área estética no Brasil, se não houver cuidados apropriados, fiscalização e ética por parte dos profissionais, a tendência é vermos mais e mais casos como esse, reavivando a ideia de que apenas médicos podem realizar esses procedimentos, o que não procede, visto que já são feitos há anos por outros profissionais de saúde com respaldo das entidades de ética profissional.
*Claudia de Lucca Mano é advogada e consultora empresarial atuando desde 1999 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios, fundadora da banca DLM e responsável pelo jurídico da associação Farmacann
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