Drones sobrevoando a casa, câmeras de vigilância monitorando o que acontece ao redor 24 horas por dia e o acesso indevido a redes telefônicas e a dados bancários. Tudo isso se encaixa perfeitamente em um filme de espionagem ou em um reality show.
Mas esse cenário é apenas uma parte da rotina cruel enfrentada pela ex-modelo brasileira Roberta Melo dos Santos, que há mais de três anos no Chile é vítima de violência vicária, caracterizada quando o agressor usa os filhos para provocar dor e sofrimento.
Essa modalidade de violência acontece principalmente nos casos de separação ou disputa de guarda, quando o agressor procura manter o controle sobre a vítima através dos filhos.
Em diversas situações, o agressor parental impede o contato da mãe com as crianças, causando danos emocionais para os filhos. Essa violência também se caracteriza pelo abuso econômico, fazendo com que a vítima tenha chances mínimas de retomar a rotina normal.
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Sem contato com os quatro filhos (fruto do relacionamento de 13 anos com um empresário chileno), Roberta pede ajuda internacional para ter o direito de exercer a maternidade de forma livre e honesta. No próximo dia 30, a ex-modelo brasileira terá mais uma audiência na Justiça, ela já enfrentou 20 processos, tentando se defender contra um dos mais caros e prestigiados grupos de advogados de Santiago do Chile.
“Além de enfrentar um grupo de advogados contratado pelo meu ex-marido, convivo com uma série de laudos que não condizem com o meu estado emocional. Fui acusada por um perito pago pelo pai dos meus filhos de ter ideias suicidas e de estar em risco vital, fator que me obrigou a me internar em uma clínica psiquiátrica para recuperar a convivência com os meus filhos”, descreveu a ex-modelo brasileira.
Diante das dificuldades enfrentadas de exercer a maternidade no Chile, Roberta chegou a entrar em contato com o Governo do Brasil, mas até agora aguarda as autoridades brasileiras sobre o problema atual.
Falta de privacidade e colapso emocional
Roberta também destaca a falta de privacidade com a postura do ex-marido que chegou a comprar um imóvel no mesmo condomínio, onde vive a brasileira. “Convivo com drones e câmeras acompanhando os meus movimentos, o que é um absurdo. Me sinto em um reality show, com olhares que cada vez mais restringem a minha liberdade e intimidade. Fiquei impressionada como um dos advogados do meu ex-marido, em uma audiência, tinha detalhes precisos da movimentação das minhas contas”, acrescentou.
A ex-modelo brasileira afirma que o ex-marido utiliza o poder econômico para convencer profissionais de saúde a produzir laudos que a desqualificam para exercer a guarda dos filhos.
Roberta cita o exemplo de uma perita especializada em Psicologia que, mesmo sem fazer uma avaliação minuciosa, considerou que a ex-modelo brasileira é portadora de uma doença psiquiátrica, sendo ainda responsável por maltratar os filhos e incapaz de vê-los.
“Essa psicóloga ainda apresentou um documento aos tribunais alegando temer pela própria integridade física por causa de um e-mail enviado por mim, em que afirmei que ela era cúmplice de um maltrato que não denunciava, por ser paga pelo meu ex-marido. É incrível como o dinheiro pode comprar tudo a ponto de levar uma mãe estrangeira sem uma rede de apoio a um colapso emocional”, desabafou.
Agressão, provas falsas e sentença
Na avaliação de Roberta, a violência vicária passou a ser mais evidente quando o ex-marido constatou que não tinha mais acesso direto a ela na condição de esposa.
Em virtude disso, o ex-marido adotou um modelo de agressão que buscava causar dano ao que mais dá sentido à identidade da brasileira: a relação com os filhos.
“O foco é mostrar que sou uma mãe inapta sem condições de manter uma relação direta e adequada com os meus quatro filhos. Já enfrentei mais de 20 processos considerando as esferas penal e familiar. Com abuso de poder econômico, meu ex-marido não deseja ganhar apenas a guarda dos meus filhos, mas também me destruir com provas que me apresentam como uma mulher louca ou desequilibrada”, lamentou.
A ex-modelo brasileira também afirmou que o pai dos filhos dela utiliza provas falsas para incriminá-la. Segundo ela, em um processo foi informado equivocadamente que a brasileira e os familiares eram de origem boliviana.
“É praticamente impossível manter a calma ao perceber que, independentemente da situação, a sentença é a mesma: não sou apta para ver os meus filhos, sendo ainda rotulada por pessoas que não conhecem o meu contexto como louca, desvairada e perigosa para as crianças”, relatou.
De acordo com a Roberta, especialistas pagos pelo ex-marido dela disseram que a brasileira tem Transtorno Bipolar Tipo I, Transtorno de Personalidade Cluster B, Transtorno de Conduta Alimentar, além de narcisismo, egocentrismo e episódios micropsicóticos e ideias paranoicas.
“É uma situação terrível ver médicos falando dos meus antecedentes clínicos, dos quais não tinha conhecimento. Inclusive, uma psicóloga perita solicitou sem o meu consentimento consultar os meus antecedentes com especialistas ligados ao ex-marido”, descreveu.
Sofrimento, poder de reação e estudo
A violência vicária coloca a vítima em uma situação de grande sofrimento e, muitas vezes, sem forças para reagir. No caso de Roberta, uma rede de apoio formada por amigos e familiares, criou uma conta em uma rede social para denunciar a situação enfrentada pela brasileira.
“É extremamente violento não poder desfrutar do amor dos meus filhos, nem estar presente em seus momentos ou atividades importantes, como ser responsável por eles e poder abraçá-los livremente sem estar sendo monitorada ou questionada por algum terapeuta”, pontuou.
De acordo com estudo dos psicólogos Bárbara Porter e Yanaray López-Angulo, publicado em janeiro de 2022, a violência vicária ocorre principalmente nas camadas sociais com maior poder aquisitivo, com os agressores exercendo a violência através do Poder Judiciário após o divórcio.
Essa pesquisa envolveu 239 mulheres de 13 países da Ibero-América, sendo todas vítimas de violência vicária. “O homem é quem contrata advogados para sobrecarregar legalmente a mulher, movendo múltiplas ações de guarda, redução de pensão alimentícia, maus-tratos, violência doméstica e mais, que deixam a mulher presa nessa judicialização com todo o gasto econômico e estresse”, explicou Bárbara Porter.
Combate incipiente
Por ser um conceito novo, o combate à violência vicária é incipiente em diversas partes do mundo. A Espanha, por exemplo, foi um dos primeiros países a inserir essa modalidade de violência na legislação, em 2021. Essa mudança foi uma resposta a uma série de assassinatos de crianças, que foram mortas por pais ou parceiros das mães, como forma de vingança contra as companheiras.
No Brasil, o grupo Ecofeminino encaminhou uma proposta para incluir na Lei Maria da Penha a violência vicária. No País, quase 259 mil mulheres foram vítimas de algum tipo de violência doméstica, em 2023, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Esse número representa um aumento de 9,8% em relação a 2022 e mostra a gravidade do problema em território nacional.
No Chile, há um projeto de lei, de 2021, que visa suspender a relação direta e regular entre pai e filho, quando existem antecedentes de violência doméstica contra a mãe do menor.
Luta desigual e violência vicária
O combate à violência vicária envolve campanhas de conscientização promovidas por Organizações Não-Governamentais (ONGs) e movimentos feministas em diversas partes do mundo.
Em geral, as vítimas desse tipo de violência se manifestam por meio de obras artísticas e formação de grupos para ajudar outras pessoas que enfrentam o mesmo problema. Um exemplo disso é o da ex-modelo brasileira Roberta Melo dos Santos, que trava uma batalha judicial pela guarda dos quatro filhos no Chile.
Com apoio de amigas e do prefeito de Concón, na Região de Valparaíso, ela foi uma das fundadoras da Fundação Nemesiz, organização chilena que busca dar visibilidade, informar e apoiar aqueles que são afetados por situações relacionadas à violência vicária.
“Também escrevi o livro A Verdadeira História de Leo – Relatos sobre Violência Vicária. É uma história inspirada em relatos de muitas mulheres que sofrem com uma perseguição covarde que afeta não só a elas, mas também os filhos”, relatou Roberta Melo dos Santos.
A história da ex-modelo brasileira, mostra que há uma luta desigual no enfrentamento à violência vicária. De qualquer forma, é fundamental denunciar esse tipo de situação, para que as vítimas tenham os seus direitos garantidos.