A audiência para confirmação de Robert Kennedy Jr (RFK Jr) como o novo Secretário de Saúde dos EUA foi uma demonstração didática de negacionismo científico. Alegações feitas por RFK Jr, relacionando vacinas a doenças crônicas, autismo e efeitos colaterais graves poderiam ser capítulos de livros sobre negação da ciência e teorias da conspiração. O uso enviesado – ou completamente amalucado – de estatísticas sobre diabetes e autismo são exemplos clássicos do uso de truques de retórica e falácias lógicas. Mas Kennedy não esteve sozinho em seu negacionismo.
O senador Tommy Tuberville, do Alabama, declarou que seu filho e nora, esperando o primeiro bebê, fizeram “sua própria pesquisa” e decidiram não vacinar a criança. Já o senator Markwayne Mullin, de Oklahoma, reforçou a crença – já amplamente refutada cientificamente – de que vacinas causam autismo e ainda frisou que seus filhos pareciam “almofadas de alfinetes” após cumprir o calendário vacinal.
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Uma das afirmações mais caricatas de RFK Jr foi a tentativa de convencer os senadores de que ele não é “antivacinas”. Já comentamos nesta coluna sobre a frase “Eu não sou – inclua aqui o negacionismo ou preconceito preferido, pode ser antivacinas, racista, machista, antissemita –, mas…” Nada de bom costuma vir depois desta vírgula seguida de “mas”. E foi exatamente a frase escolhida por Kennedy, quando tentou tranquilizar os senadores de que nunca foi contra vacinas, dizendo que “O primeiro livro que publiquei em 2014, a primeira linha dele é ‘eu não sou antivacina’, assim como a última”.
O único problema é que a vírgula e o “mas” não são suficientes para anular décadas de ativismo antivacinas, promoção de medo e negação da ciência. RFK Jr também afirmou que apenas exige evidências de segurança e eficácia.
Como bem disse o senador Bill Cassidy, da Lousiania, que preside a Comissão de Saúde do Senado, será que Kennedy realmente está disposto a examinar o enorme estoque de estudos científicos que atestam a eficácia e segurança das vacinas aprovadas pelas agências reguladoras, ou vai continuar dando atenção apenas aos dados que confirmam seus preconceitos? O senador pressionou RFK Jr, dizendo: “Eu abordei o tema (das vacinas) usando a preponderância da evidência para reafirmar (segurança e eficácia). O senhor abordou o tema usando evidência escolhida a dedo para semear dúvida”.
Uma fala de Kennedy que não ganhou tanta atenção da mídia, mas foi notada pela senadora democrata Angela Alsobrooks, de Maryland, foi a de que pessoas negras deveriam seguir um calendário vacinal diferente, por supostamente terem um sistema imune diverso dos brancos.
A senadora questionou: quais são exatamente as vacinas que ela, como negra, não deveria ter tomado? Kennedy se enrolou e respondeu apenas que o sistema imune difere entre as raças. A senadora respondeu dizendo que a afirmação é perigosa. Ela tem razão. Raças humanas são um construto social, sem caráter biológico. Não há motivos para imaginar que o sistema imune muda de acordo com a cor da pele. E afirmações parecidas com a de RFK Jr. já levaram a erros de diagnóstico que comprometeram populações inteiras, justamente porque era “senso comum” haver diferenças fisiológicas significativas entre “raças”humanas.
Negacionismo em alta?
Que RFK Jr seja um negacionista da ciência e ativista antivacinas não é novidade, mas é sempre um aprendizado perceber como os argumentos que ele e seus apoiadores usam se repetem e são impermeáveis a fatos e evidências. Resta saber agora se os poucos senadores do Partido Republicano, o mesmo do presidente Donald Trump, que seguem sendo favoráveis a vacinas e à ciência ficaram assustados o suficiente para impedir que os EUA tenham um secretário (ministro) de Saúde que não é antivacinas, mas…
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