Planos de saúde e o reajuste por faixa etária na terceira idade
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Um Recurso Extraordinário (RE nº 630.852) a ser julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) – põe em discussão a aplicabilidade da Lei 10.741/2003, conhecida como Estatuto do Idoso, a contratos de plano de saúde firmados antes de sua vigência, relativamente à cláusula que autoriza o reajuste do valor da mensalidade em função da idade do beneficiário contratante.
O ponto central da controvérsia está na validade da cláusula contratual que autoriza essa majoração do valor da mensalidade em função da idade. Essa prática passou a ser vedada para pessoas 60 anos ou mais, a partir da entrada em vigor do Estatuto do Idoso.
Inicialmente, é importante destacar que a Lei nº 10.741/2003 foi promulgada com o objetivo de assegurar os direitos fundamentais dos idosos, buscando garantir sua dignidade, cidadania e participação na sociedade. Entre as várias disposições protetivas, está a proibição de discriminação do idoso em razão da idade, o que inclui a vedação de aumentos abusivos em contratos de plano de saúde em função da faixa etária.
No caso que se encontra em juízo, os contratos de plano de saúde em análise foram firmados antes da promulgação do Estatuto do Idoso, quando ainda era permitida a prática de reajuste por faixa etária. É onde paira o questionamento sobre a continuidade ou não da aplicação da cláusula, após a entrada em vigor da nova legislação.
A controvérsia foi intensificada pela divergência de entendimentos nos tribunais sobre a retroatividade da lei para alcançar contratos firmados antes de sua vigência. De um lado, há quem defenda a manutenção das cláusulas contratuais pactuadas, sob o argumento de que a lei não pode retroagir para prejudicar o ato jurídico perfeito. De outro, há a interpretação de que o Estatuto do Idoso, por ser norma de ordem pública e interesse social, deve prevalecer sobre disposições contratuais anteriores, vedando assim a prática de aumento por faixa etária para beneficiários com 60 anos ou mais.
Nesse contexto, é necessário orientação jurídica bem fundamentada a respeito dos direitos dos beneficiários idosos e das obrigações das operadoras de planos de saúde, à luz da legislação vigente e da jurisprudência pertinente.
O Recurso Extraordinário 630.852, em tramitação no STF, é o cerne da questão, pois discute a retroatividade das disposições protetivas do Estatuto do Idoso sobre contratos previamente celebrados, levantando dúvidas quanto à legalidade e constitucionalidade de reajustes que, em tese, desrespeitariam princípios de proteção ao idoso consagrados pela lei posterior.
Antes de 2003 e da vigência do Estatuto do Idoso, os contratos de plano de saúde eram regidos majoritariamente pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) e pela Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998). Ambas as legislações permitiam a previsão de reajustes por faixa etária, desde que previamente estipulados em contrato e devidamente autorizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Somente após a entrada em vigor do Estatuto do Idoso é que houve uma nova perspectiva de proteção aos direitos dos consumidores idosos, proibindo discriminações em razão da idade.
O tema é complexo. A retroatividade das leis, vale ressaltar, é um assunto sensível no Direito Brasileiro, regido pelos princípios constitucionais da irretroatividade das leis (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal) e da proteção ao ato jurídico perfeito. No meio da discussão, a questão que fica é como ficam os beneficiários de planos de saúde que, ao atingirem determinada faixa etária, tiveram suas mensalidades majoradas com base em cláusulas contratuais firmadas antes de 2003?
O assunto tem grande relevância jurídica e social, uma vez que envolve a proteção de direitos fundamentais dos idosos, um grupo considerado vulnerável, mas que também mexe com a sustentabilidade econômica das operadoras de planos de saúde.
Ao acolher o Recurso Extraordinário 630.852, o STF reconheceu a repercussão geral da matéria, indicando que a decisão a ser proferida terá efeitos vinculantes para todos os casos semelhantes em tramitação no país.
Cautela na interpretação
A análise da aplicabilidade do Estatuto do Idoso a contratos firmados anteriormente a sua vigência exige uma interpretação cuidadosa dos princípios constitucionais e das normas infraconstitucionais, bem como uma ponderação entre a proteção aos direitos dos idosos e a segurança jurídica dos contratos.
Essa análise envolve uma investigação detalhada do princípio da irretroatividade das leis, a aplicação dos direitos adquiridos e a proteção ao ato jurídico perfeito, além de uma avaliação dos impactos sociais e econômicos das possíveis interpretações.
Assim, a decisão a ser tomada pelo STF terá implicações significativas para todos os atores envolvidos, desde os beneficiários dos planos de saúde até as operadoras e a própria regulação estatal.
Nesse sentido, o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal de 1988, estabelece que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Este dispositivo constitucional é fundamental para a análise em questão, pois garante a segurança jurídica e a estabilidade das relações jurídicas. O direito adquirido, conforme definido pelo artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942), é aquele que já se incorporou ao patrimônio jurídico do titular, de modo que a nova lei não pode alterá-lo ou suprimi-lo.
Além disso, o princípio da irretroatividade das leis é reiterado pelo artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que dispõe que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. Portanto, uma análise inicial sugere que as cláusulas contratuais celebradas antes de 2003, que preveem a majoração das mensalidades dos planos de saúde em razão da idade, devem ser respeitadas conforme a legislação vigente à época da celebração do contrato.
Por outro lado, o Estatuto do Idoso, em seu artigo 15, §3º, proíbe expressamente a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade. Este dispositivo visa proteger os direitos dos idosos, considerados um grupo vulnerável, e garantir o acesso igualitário aos serviços de saúde suplementar. A interpretação deste dispositivo deve ser feita à luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e da proteção aos direitos fundamentais (art. 5º, caput, da CF).
A decisão do STF no Recurso Extraordinário 630.852, dessa forma, será crucial para definir os limites da aplicação do Estatuto do Idoso a contratos firmados antes de sua vigência.
Outro ponto relevante é a interpretação do artigo 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, que considera nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, ou que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada. A majoração das mensalidades dos planos de saúde em razão da idade pode ser considerada uma prática abusiva, especialmente à luz do Estatuto do Idoso, que visa proteger os direitos dos consumidores idosos.
Portanto, a análise da validade das cláusulas contratuais que autorizam a majoração das mensalidades dos planos de saúde em razão da idade, firmadas antes de 2003, deve considerar não apenas a legislação vigente à época da celebração do contrato, mas também os princípios constitucionais e as normas de proteção ao consumidor e ao idoso.
A ponderação entre a segurança jurídica dos contratos e a proteção dos direitos fundamentais dos idosos é essencial para uma interpretação justa e equilibrada.
A decisão do STF nesse caso terá um impacto significativo na interpretação e aplicação do Estatuto do Idoso a contratos de plano de saúde firmados antes de sua vigência. A definição dos limites da aplicação retroativa das disposições protetivas do Estatuto do Idoso será crucial para garantir a segurança jurídica e a proteção dos direitos dos idosos.
*Natália Soriani é especialista em Direito da Saúde e sócia do escritório Natália Soriani Advocacia
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