Epigenética: como se dá a regulação genética x a qualidade de vida além da sequência de DNA

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A epigenética é uma área da ciência que analisa como o ambiente e o estilo de vida podem alterar o funcionamento de nossos genes. E, nesse sentido e na atualidade, em que a medicina avança em vários campos em busca de respostas mais eficazes para doenças que afetam a humanidade, a epigenética surge como um campo fascinante e dinâmico no âmbito da biologia molecular, oferecendo uma perspectiva revolucionária sobre como os organismos vivos regulam a expressão gênica e herdam características sem alterar a sequência de DNA.

 

O termo “epigenética”, do grego “epi” (além) e “genética”, refere-se a modificações reversíveis e hereditárias no genoma que não envolvem mudanças na sequência de DNA, mas influenciam a atividade gênica. Nesse contexto, para nós especialistas em medicina reprodutiva humana, é muito interessante observar como essas influências podem afetar diretamente a fertilidade de homens e mulheres.

Um aspecto intrigante da epigenética é sua plasticidade e resposta a sinais ambientais. Experiências e exposições ambientais podem modular padrões epigenéticos, alterando a expressão gênica e, potencialmente, afetando o fenótipo. Já há estudos que demonstraram que a dieta, o estresse, a exposição a toxinas e até mesmo a qualidade do ambiente social podem influenciar os padrões epigenéticos e, por conseguinte, a saúde e o desenvolvimento de um organismo.

As primeiras observações nesse sentido foram feitas por médicos holandeses em 1944, no cenário da Segunda Guerra, quando perceberam que aquele ambiente, a privação de alimentos e a sensação de insegurança afetavam diretamente as gestantes e também seus filhos. A privação de alimentos levou à uma maior metilação do DNA, com isso genes importantes na regulação da insulina foram desligados.  Hoje já se sabe que os bebês nascidos dessas gestantes, apresentam maior risco para desenvolvimento de diabetes e de doenças cardíacas, quando comparadas às crianças nascidas na mesma época, cuja as mães não passaram por períodos de privação alimentar.

Apesar de a sequência de DNA ser a principal herança biológica, crescentes evidências sugerem que as modificações epigenéticas – que ligam e desligam genes – adquiridas durante a vida podem ser transmitidas para a próxima geração. Isso pode ocorrer quando gametas, óvulos e/ou espermatozoides, têm os seus genes ligados e/ou desligados, passando essas informações para os filhos, no momento da fertilização. Nesse sentido, os avanços na tecnologia de sequenciamento e nas técnicas de análise epigenética – inclusive à luz da medicina reprodutiva – estão permitindo uma compreensão mais profunda dos mecanismos e das implicações da epigenética em uma variedade de processos biológicos e doenças humanas.

 

Pesquisas recentes destacam seu papel em condições como câncer, distúrbios neuropsiquiátricos, doenças metabólicas e envelhecimento. Já existem estudos que indicam a relação da qualidade de vida à piora nos quadros de endometriose e Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), por exemplo. Alterações seminais e na qualidade dos óvulos podem ser ocasionadas por essas modificações epigenéticas relacionadas ao estilo vida. Por essa razão, no processo de reprodução assistida, as fases pré-concepcional e concepcional são de grande importância e merecem atenção redobrada das mulheres que querem engravidar e das gestantes.

 

A epigenética tem demonstrado que é influenciada por diversos fatores, incluindo o ambiente, estilo de vida, exposição a diferentes estímulos, contaminantes, produtos químicos, dentre outros. Dessa forma, a qualidade de vida está intimamente ligada aos hábitos que uma pessoa adota ao longo de sua vida. Entre os fatores que têm sido estudados estão:

  1. Hábitos de vida saudáveis: Alimentação, exercício físico, sono adequado e gestão do estresse podem influenciar a expressão gênica, por meio de mecanismos epigenéticos. Uma dieta rica em nutrientes pode promover padrões epigenéticos saudáveis, que estão associados a um menor risco de doenças cardiovasculares, por exemplo;
  2. Exposição a toxinas e poluentes: A exposição a substâncias químicas nocivas pode alterar os padrões epigenéticos e aumentar o risco de doenças, como câncer e infertilidade. Evitar a exposição a essas substâncias pode contribuir para uma melhor qualidade de vida e saúde;
  3. Estresse: O estresse crônico pode desencadear mudanças epigenéticas que afetam a saúde mental e física. Estratégias para gerenciar o estresse, como meditação, exercícios de relaxamento e terapia, podem ajudar a mitigar esses efeitos negativos;
  4. Relações sociais e apoio emocional: Relações sociais positivas e um forte sistema de apoio emocional estão associados a padrões epigenéticos saudáveis e melhor saúde mental e física;
  5. Desenvolvimento precoce: Experiências durante os estágios iniciais da vida podem ter um impacto duradouro na expressão gênica por meio de modificações epigenéticas. Um ambiente de infância seguro, estável e enriquecedor pode estabelecer padrões epigenéticos saudáveis que promovem uma boa saúde ao longo da vida.

Em resumo, a epigenética representa uma camada complexa e dinâmica de regulação genética que vai além da sequência de DNA, integrando informações ambientais e influenciando o destino celular e o fenótipo de organismos vivos. Ela  desempenha um papel fundamental na relação entre estilo de vida, ambiente e qualidade de vida, destacando a importância de adotarmos hábitos saudáveis e promovermos ambientes que favoreçam padrões epigenéticos benéficos para a saúde e das futuras gerações. Seu estudo promete não apenas desvendar os mistérios da biologia, mas também abrir novas perspectivas para o tratamento e a prevenção de doenças humanas.

 

*Renata Bossi é embriologista na clínica Origen BH e certificada pela Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE, na sigla em inglês)

 

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